Com sessenta anos, rotária há 15 e médica há 36, viveu em Luanda nos conturbados anos setenta, regressou a Lisboa onde terminou o curso de medicina e, mais tarde, mudou-se para Vizela. Os últimos quatro anos foram dominados pela trágica morte de um filho e pela luta contra um cancro na mama. Foi no Movimento Rotário que, confessa, encontrou razões para continuar a lutar.
Nasceu em Lisboa por mero acaso. Foi para Luanda com três meses e aí viveu até aos 18 anos. “Foi um acidente de percurso, porque os meus irmãos nasceram em Luanda, mas como a minha avó estava muito doente a minha mãe foi até Lisboa. Quando quis regressar ela já estava de 7 meses e não a deixaram viajar”, revela Maria Resgate Salta, membro e antiga presidente do Rotary Club de Vizela.
Após o 25 de abril 1974, a mãe e irmãos de Maria decidiram regressar a Portugal. A então jovem de 18 anos optou por ficar e terminar, em Luanda, o 1º ano de medicina. “Fiquei lá debaixo de guerra e fogo. A minha mãe veio com os meus irmãos e eu fiquei lá com o meu pai.” Durante esse ano de intensa guerra civil em Angola, Maria aproveitava o tempo livre para ir para o hospital ajudar os poucos médicos que ainda não tinham “fugido para o Continente”.
“Eu e os meus colegas íamos para o hospital ajudar. Ver aqueles estropiados e feridos de todo o tipo de arma de fogo. Claro que apenas ajudávamos naquelas coisas pequenas: segurar em alguém, fazer um penso, chegar alguma coisa, porque nós estávamos no 1º ano de medicina e não tínhamos grandes conhecimentos.” Sobre os tempos de guerra em Angola, Maria admite: “as imagens não me saem da cabeça, porque eu ali vi o que é sofrimento, um sofrimento atroz. Tinha 18 anos na altura. Podia ter ficado traumatizada, mas não. Tive que reagir. E a minha reação e a dos meus colegas foi a de ir ajudar no que podíamos.”
Regressou a Lisboa em novembro de 1975. “Trouxe a minha transferência em mão e no 2º ano já entrei no hospital de Santa Maria em Lisboa. E acabei lá o curso em 1980.”
Pouco tempo depois, já com um filho de 3 anos, especializada em Medicina Geral e Familiar, rumou ao norte do país e fixou-se em Vizela. Apesar de já ter tido conhecimento do Rotary em Angola, foi em Vizela que o Movimento passou a fazer parte do seu dia-a-dia. “O meu pai era muitas vezes convidado para fazer palestras no Rotary Club de Luanda. Na altura, eu, como já era mais velha, acompanhava-o. Achava aquilo tudo uma seca desgraçada.” Por esta razão, ficou reticente quando Domingos Vaz Pinheiro, um dos fundadores do Rotary Club de Vizela, a convidou para entrar no clube. “Depois de várias reuniões a que assisti, eu realmente vi que o Movimento rotário tinha evoluído bastante, no que concerne até à entrada de senhoras […]. Eu nunca tinha estudado verdadeiramente o que era o movimento Rotary internacional, fiquei só com aquela ideia de Luanda, mas entretanto fiz pesquisa e aceitei entrar para o Rotary em 2001.”
Desde que entrou para o Rotary Club de Vizela, que já presidiu por duas vezes, muitas coisas aconteceram na vida de Maria Resgate Salta. Em 2012, perdeu o filho, Nuno Salta, de 27 anos, num trágico acidente de viação e, em maio de 2016, foi-lhe diagnosticado um cancro da mama.
Apesar de ter perdido o filho tão novo e de uma forma tão trágica, Maria não conseguiu sentir raiva nem se deixou ir abaixo. “Não consegui ficar revoltada contra nada nem contra ninguém. Não consegui porque à ideia veio-me as outras mães que perderam os filhos […] e eu não era mais do que ninguém. E tudo isso tem-me ajudado também a confortar, porque sei que o meu filho não queria que eu ficasse em casa a deprimir. Fui trabalhar logo a seguir e fui para os rotários e fui para todo o lado. Teve que ser!”
Já passaram quatro anos, mas Maria confessa: “para uma mãe é sempre pouco tempo, é uma ferida que nunca mais sara. Vai-me acompanhar, mas tenho que viver com essa ferida. E tenho que viver não só pela minha filha, mas por tantas pessoas que precisam de mim.”
Em maio de 2016, foi-lhe diagnosticado um cancro na mama. “Foi uma coisa por acaso […] a minha médica de família mandou-me fazer uns exames, porque não tinha nenhum. Fiz a mamografia e deu uma imagem que eles não sabiam bem o que era, uma coisa duvidosa. Como não gosto destas incertezas então fui ter com um colega meu, que marcou logo uma biópsia.”´
Uma semana depois, após um fim-de-semana em Lisboa, para festejar os seus 60 anos, com a filha, Maria recebeu a chamada do Hospital de Guimarães. “Eu estava na Estação do Oriente quando recebo um telefonema da secretária da unidade dos serviços de cirurgia, a dizer que o Dr. João Reis queria falar comigo no dia seguinte. E eu vi logo. Pensei logo nos meus filhos e principalmente na minha filha: como dizer-lhe? Porque a minha filha já tinha sofrido a morte do irmão. E eu não queria fazê-la sofrer.”
Salta foi operada, pouco tempo depois, no Hospital de Guimarães e começou os tratamentos de radioterapia no Hospital de Braga, mas nem assim deixou e trabalhar. “Fui operada no dia 12, mas passados dezoito dias estava a trabalhar. Em Braga fazem a radioterapia até à uma da manhã. O que me deu para trabalhar de dia e fazer o tratamento à noite.”
No Rotary, Maria tem encontrado a força e o apoio que necessita para continuar. “O Rotary tem sido um dos meus pilares nestas situações. Tenho encontrado muito apoio, tenho encontrado muita força no Movimento Rotário. Encontrado muita razão para continuar para a frente. O Movimento Rotário tem-me ajudado muito, tem-me ajudado mais do que até tenho ajudado. Tenho recebido mais do que dou.”
Apesar de todas as provações por que passou, Maria consegue sempre ver o lado positivo, sem deixar-se ir abaixo. “Há tantas pessoas em situações muito piores que eu. E é nesses que eu penso quando estou num fase má da minha vida. Penso sempre que há pessoas em situações muito piores, que eu e temos que reagir. A força tem que vir de nós, e nós, tendo força, conseguimos ultrapassar. Costumo dizer há pessoas que fazem de pedrinhas pedregulhos, eu faço dos pedregulhos pedrinhas.”
Para o futuro, os sonhos de Maria Resgate Salta são simples: “continuar a trabalhar […], ver a minha família e, principalmente, a minha filha bem, e ir ao Japão.” No entanto, e desde que perdeu o filho a rotária tenta “não fazer muitos planos”. À Portugal Rotário a ex-presidente do Rotary Club de Vizela garante: “Vou fazendo tudo dia-a-dia, o agora, que é o mais importante. As decisões que eu tomar hoje vão ter repercussões no futuro, por isso têm que ser cuidadosas, mas não faço planos, faço rascunhos. Mas o dia de hoje é vivido com toda a plenitude.”
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