Por: Isabel Rosmaninho
Presidente da Comissão Distrital de Ambiente
Distrito 1960
No passado dia 26 de outubro, teve lugar na Biblioteca Municipal de Faro um dos programados seminários distritais de ambiente, mais especificamente o seminário intitulado “A Água no Algarve – Atualidade e Perspetivas Futuras”.
Tratou-se de uma iniciativa da Comissão Distrital de Ambiente, sendo a organização no local assegurada pelo Rotary Clube de Faro, em parceria com a Câmara Municipal de Faro e a Universidade do Algarve. Participaram seis dezenas de pessoas, das quais cerca de dois terços não eram rotários.
Deste modo, foi cumprido um dos objetivos propostos pela Comissão: organizar uma sessão com um tema atual e relevante, como é a gestão sustentável da água, destinada especialmente a um público não rotário.
O Seminário iniciou-se com uma curta sessão de abertura, com intervenções do Companheiro Paulo Taveira de Sousa, Governador D1960, Dr. Rogério Bacalhau, Presidente da Câmara Municipal de Faro, Professora Doutora Manuela Moreira da Silva, como representante da Universidade do Algarve, e Companheiro Rui Castelo, Presidente do Rotary Clube de Faro.
A região do Algarve está,há alguns anos, a sofrer uma seca prolongada que tem vindo a agravar os níveis de escassez hídrica da região. No início do ano, a situação afigurou-se particularmente crítica, o que implicou a aplicação imediata de medidas destinadas a promover uma maior eficiência, poupança e racionalização das reservas de água.
Para debater esta realidade, na dupla perspetiva de“disponibilidades da água e transição para a eficiência hídrica” e de “uso da água na Região do Algarve”, contámos com os responsáveis das entidades e especialistas com competências específicas nestas matérias. As intervenções foram agrupadas em dois painéis, moderados respetivamente por Carlos Manso, Presidente do Conselho de Administração da Infralobo, e Manuela Moreira da Silva, Professora no Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve.
1.º Painel: Disponibilidades da Água e Transição para a Eficiência Hídrica
Moderador: Dr. Carlos Alberto Sousa Manso
Eng.º Pedro Coelho – Diretor da Administração da Região Hidrográfica do Algarve (ARH Algarve)/Agência Portuguesa do Ambiente (APA) Dr.ª Isabel Soares – Presidente do Conselho de Administração de Águas do Algarve, S.A. Dr. António Pina – Presidente da AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve Dr. José Apolinário – Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, I.P.
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Questão transversal colocada no debate:“Estando o Plano Nacional da Água no seu processo de revisão, quais devem ser as principais alterações a introduzir, por forma a melhorar os instrumentos necessários para fazer face aos desafios no setor da água?
2.º Painel: O Uso da Água na Região do Algarve
Moderadora: Prof.ª Doutora Manuela Moreira da Silva
Prof. Doutor Pedro Valadas Monteiro – Vice-Presidente da CCDR Algarve, I.P. (Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas) Dr. André Gomes – Presidente da Região de Turismo do Algarve Eng.º Joel Nunes – Chairman da FEGGA (Federation of European Golf Greenkeppers Associations) Eng.º Carlos Cabrita – Presidente da Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve |
Questão transversal colocada no debate: “Que desafios estão ou vão enfrentar os diversos setores para prepararem os seus relatórios ESG, tendo presente que a gestão sustentável da água e que os indicadores sobre o uso eficiente da água serão, certamente, da maior importância no contexto local? Que apoios devem ser assegurados às empresas, por parte das entidades regionais e governamentais para que consigam cumprir as orientações/exigências da União Europeia? Formação? Financiamento?”
Depois de uma introdução ao tema do 1.º Painel, por Carlos Manso, a primeira intervenção coube a Pedro Coelho, Diretor da ARH Algarve, serviço desconcentrado da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que é a entidaderesponsável por assegurar uma gestão sustentável da água e a proteção dos recursos hídricos, através da definição e execução da política nacional de recursos hídricos e dos seus instrumentos.
As disponibilidades dos recursos hídricos, o plano regional de eficiência hídrica, o plano de contingência e os principais instrumentos de financiamento em execução foram os principais tópicos da intervenção. De forma clara e sintética, perante uma plateia muito interessada, Pedro Coelho começou por demonstrarcomo 12 anos consecutivos com precipitação inferior ao normal têm conduzido a situações críticas no armazenamento das principais reservas superficiais (6 albufeiras da Região Algarve) e das reservas subterrâneas. A aplicação imediata das medidas de contingência para a seca têm permitido uma evolução favorável na redução dos consumos, no sentido de se atingir as metas definidas para o abastecimento público, setor do turismo e rega agrícola.
Destaca-se, também, o papel da ARH Algarve/APA na promoção de iniciativas de sensibilização e educação ambiental, tendo como principal objetivo a mobilização de todos para, na prática, contribuírem para a resolução da escassez hídrica e seca estrutural na Região.
Com a intervenção de Isabel Soares, Presidente da empresa Águas do Algarve, S.A. tivemos oportunidade de conhecer os aproveitamentos hidráulicos e as principais infraestruturas do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água que assegura o fornecimento de água aos 16 concelhos do Algarve, e também de que modo é realizada a sua gestão, em situação de escassez hídrica.
A Águas do Algarve, S.A. tem podido beneficiar de investimentos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que constituem uma resposta estratégica para garantir a gestão sustentável dos recursos hídricos, e que se encontram agrupados em três grandes submedidas:SM4 – Promover a utilização de Água Residual Tratada, através da identificação de potenciais utilizadores desta origem de água não potável, sobretudo em atividades económicas ligadas ao turismo e agricultura e espaços públicos; SM5 – Aumentar a capacidade disponível e resiliência das albufeiras/sistemas de adução em alta existentes e reforçar com novas origens de água, nomeadamente reforçando a ligação entre os sistemas de abastecimento de água do Sotavento/Barlavento Algarvio; e SM6 – Promover a dessalinização de água do mar, através de uma instalação de dessalinização.
Projetos
A instalação de dessalinização, integrada no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve,constituiu uma novidade, uma vez que foi adjudicada poucos dias antes da realização do Seminário, estando a conclusão da sua construção prevista para 2026.
Sendo necessário encontrar soluções que assegurem a disponibilidade de água nas regiões mais afetadas pela seca, para os diversos usos, António Pina, Presidente da AMAL apresentou o plano que passa por trazer água de onde ela abunda para onde ela escasseia. A solução consiste em realizar a Interligação Alqueva – Mira – Odelouca– Bravura e assegurar a reabilitação das infraestruturas de distribuição de água. Esta solução permite o reforço do abastecimento do sudoeste alentejano e do barlavento algarvio, com base em caudais derivados do sistema do Alqueva.
José Apolinário, Presidente da CCDR Algarve, abordou sobretudoas questões ligadas à governança da água. Defendeu uma maior participação das entidades territoriais na definição dos investimentos e gestão dos recursos hídricos, tendo em consideração a missão das CCDR no planeamento regional e no ordenamento do território e a importância estratégica dos recursos hídricos para o desenvolvimento regional.Defendeu, também, que o Plano Nacional da Água (PNA) deveria integrar um princípio da subsidiariedade na governança pública da água, em que as medidas a adotar seriam função da realidade de cada área geográfica, sem prejuízo da adequada coordenação que decorre do facto do PNA ser um instrumento de política sectorial de âmbito nacional.
Depois de analisadas e discutidas as disponibilidades da água, a situação de escassez hídrica e a necessidade de adoção de medidas de aplicação imediata, sob pena de não haver água suficiente armazenada para satisfazer os usos a curto prazo, foi com expetativa que iniciámos a 2.ª parte do seminário. Afinal, todos estávamos com interesse em compreender como os diferentes setores estavam comprometidos com a gestão eficiente da água. A introdução ao 2.º Painel – O uso da água na região do Algarve – foi feita pela moderadora, Manuela Moreira da Silva, que fez um enquadramento ao tema e que no final conduziu o debate entre os oradores.
Perante a situação de escassez hídrica,assumida no início do corrente ano, todos os setores foram chamados a contribuir reduzindo a procura de água para que a região do Algarve conseguisse manter reservas disponíveis para enfrentar consumos mínimos prioritários no final do ano de 2024. As reduções necessárias na procura assentam numa diminuição de, pelo menos, 15 % do volume de água consumido pelo setor urbano (incluindo os usos domésticos e não domésticos) onde se inclui o setor turístico, de 25 % do volume de água consumido pelo setor agrícola e de 18 % do volume de água consumido pelo setor do golfe, face aos volumes consumidos no período homólogo de2023.
Para Pedro Valadas Monteiro, Vice-Presidente da CCDR Algarve, I.P., com responsabilidades na Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, o desafio consiste em garantir um desenvolvimento sustentável e promover uma saudável diversificação da base económica da Região e da ocupação do território num contexto de alterações climáticas, em que avulta a escassez hídrica.
Para o setor do Turismo, entre outras medidas, foi lançado o desafio de implementação de um selo de eficiência hídrica, com caráter voluntário, aplicável aos empreendimentos turísticos, que ateste a efetiva redução do consumo de água e o compromisso com a aplicação de medidas de eficiência hídrica que contribuam para a poupança e gestão sustentável da água. Esta medida é coordenada pela Região de Turismo do Algarve, em articulação com o Turismo de Portugal, I. P., e com a ADENE — Agência para a Energia.
Save water
Foi precisamente sobre o selo “Save Water” que incidiu a apresentação de André Gomes, Presidente da Região de Turismo do Algarve, testemunhando como as empresas do setor do turismo se tinham mobilizado para a implementação de medidas de poupança de água.Inicialmente dirigido aos empreendimentos turísticos, o selo de eficiência hídrica foi alargado a outras atividades, como alojamentos locais, atividades de aluguer de veículos ligeiros de passageiros sem condutor, animação turística e restauração.
Em termos de resultados já obtidos, importa salientar que 70% dos municípios do Algarve têm empreendimentos turísticos aderentes, que os concelhos de Albufeira, Loulé, Portimão e Lagoa têm o maior número absoluto de aderentes e que 77% dos aderentesestão em fase avançada de implementação de medidas e em linha com o plano de ação. Regista-se já uma redução de 13% no consumo global de água, entre janeiro e setembro de 2024, face a igual período do ano passado. Interessante salientar que em 2023, o Algarve era já a região do Continente com maior percentagem de empreendimentos turísticos hidricamente eficientes.
Com o objetivo de sensibilizar e desafiar os turistas a serem parte ativa no compromisso de poupança de água foi apresentada a Campanha “Save Water”, em 23 de julho. É um convite à mudança de comportamentos, motivando os turistas a adotarem boas práticas no uso da água e usufruírem das suas férias de forma mais sustentável.
Golfe
O setor do Golfe foi analisado de forma autónoma, sendo a intervenção a cargo de Joel Nunes, com 20 anos de experiência como Head Greenkeeper e atual Chairman da FEGGA.
Para além de apresentar dados sobre o enquadramento social e financeiro do setor, ficámos a conhecer os dados sobre o consumo de água nos campos de golfe e as técnicas que estão a ser aplicadas para diminuir esse consumo.
A título de curiosidade, disponibilizamos alguns dados que foram apresentados:
O setor do golfe gera 6 mil empregos diretos e cerca de 17 mil empregos, contando com diretos, indiretos e induzidos
Um campo de golfe de 18 buracos tem 37 ha de área irrigada, sendo os novos 15% mais pequenos (30 ha)
O setor do golfe utiliza 6,4% do volume total de água captada
O consumo de água é inferior a 10 000 m3/ha.ano
80% da rega ocorre de maio a setembro e 50% em três meses, de junho a agosto
O que os campos de golfe estão a fazer em relação à água, pode sintetizar-se do seguinte modo:
Adaptação a novos recursos – água reutilizada
Redução das áreas de relvado, mantendo a alma do campo
Relvas de clima quente – utilização de gramíneas que melhor se adaptam à falta de água
Melhor eficiência e controlo – novas ferramentas e equipamentos para garantir a rega eficiente
No final, ficou a mensagem que o golfe promove o desporto ao ar livre e a melhoria da saúde pública.
Embora não sendo um setor, foi também apresentada a perspetiva de consumo, utilização e necessidades de água nos ecossistemas, por Carlos Cabrita, Presidente da Almargem.
A reunião terminou com um animado debate entre os oradores, em torno de questões transversais aos diversos setores.
Deste modo, chegou ao fim uma tarde de sábado, onde os participantes tiveram oportunidade de serem envolvidos e ficarem mais esclarecidos sobre um tema tão premente nos dias de hoje, como é a gestão da água, na Região do Algarve.