José Alberto Pereira | Rotary Club Santarém
O Professor Doutor Filipe Castro é um arqueólogo náutico/subaquático com carreira desenvolvida na Texas A&M University (EUA), universidade onde entrou em 1998 e da qual se jubilou em 2021. Presentemente colabora com a Universidade Nova de Lisboa e com a Universidade de Coimbra, sobretudo em trabalhos de campo na área de mergulho para deteção, estudo e exploração de artefactos em mais de dez países, participação em diversos documentários televisivos e uma vasta obras académica e literária. O Professor Doutor Filipe Castro foi escolhido pelo Rotary Clube de Santarém como Profissional do Ano Rotário 2023-24.
A minha primeira pergunta é, naturalmente, um pedido: para se apresentar e explicar como surge um arqueólogo subaquático em Santarém.
Eu cresci em Santarém. Fui nascer a Lisboa, mas cresci em Santarém, na Travessa dos Surradores. E estudei engenharia civil, fiz um MBA em 1993, mas aos 35 anos resolvi mudar de rumo e fui trabalhar para o Ministério da Cultura, como gestor, a ajudar a criar o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS). Em 1998, fui para o Texas estudar arqueologia náutica na Texas A&M University. Acabei o meu doutoramento em 2001 e concorri a um lugar de professor assistente. Entrei, em 2008 fui promovido a professor associado e, em 2012, a full professor. Em 2021, reformei-me e voltei para Portugal, para a Universidade de Coimbra. Estou atualmente a residir em Santarém, na casa dos meus pais.
Soubemos que foi encontrada uma nau da Índia, possivelmente a nauS. Jorge, da terceira Armada de Vasco da Gama, perdida em Melinde, em 1524. Pode contar-nos como esta nau foi descoberta e como o convidaram para participar na escavação?
Os arqueólogos subaquáticos são muito poucos e conhecemo-nos quase todos. Este naufrágio foi encontrado por um amigo meu, Caesar Bita, dos Museus do Quénia, que me convidou imediatamente para organizar um projeto de estudo e escavação.
Qual é a importância deste navio?
Em primeiro lugar é simbólica, por três razões. Vasco da Gama foi um personagem importante na História da Europa e do Mundo, os navios portugueses do século XVI eram máquinas prodigiosas e a primeira metade do século XVI foi um período de organização e de convergência de competências extraordinárias, cujo estudo pode servir para nos inspirar e combater o derrotismo nacional, fazendo-nos acreditar que os portugueses podem construir juntos um país extraordinário.
Em que consiste esse projeto que está a elaborar?
Consiste na escavação do sítio arqueológico, estudo e conservação dos artefactos, registo e estudo dos restos do casco, que são uma pequena parte do fundo do navio, mas que nos podem fornecer informações preciosas sobre a sua construção. Depois, na cobertura dos restos do casco com uma camada protetora e na elaboração de um plano de monitorização e conservação in situ. Finalmente, na publicação e musealização deste navio, que nos conta uma história extraordinária de organização, responsabilidade, competência e coragem.Às vezes, os historiadores colecionam relatos tristes de batalhas, conquistas, guerras, tráficos de bens e pessoas, mas a História é feita de coisas más e de coisas boas. Eu e o Caesar Bita acreditamos que se pode falar também das coisas boas, das trocas de ideias e de saberes, dos sabores, das músicas, das espiritualidades, dos casamentos multiculturais, da descoberta do mundo e dos outros.
Acho que um projeto destes serve também para sublinhar a importância do passado nas nossas vidas e o valor social da História e da Arqueologia, que muitas vezes não são devidamente valorizadas. Ninguém deita fora os álbuns de família. No tempo de Vasco da Gama não existiam fotografias, mas os nossos antepassados estavam e permanecem vivos, a construir a cultura portuguesa, para o bem e para o mal.