“Urge sensibilizar a opinião pública, implementar legislação promotora dos direitos das crianças e apoiar as empresas no processo de adaptação às novas exigências”
Maria Joao M Gomes | RC Parede-Carcavelos
O trabalho infantil constitui uma violação dos direitos humanos fundamentais e continua a ser um flagelo no mundo. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, há 160 milhões de crianças em situação de trabalho infantil (o que corresponde a uma criança em cada dez, no mundo), metade das quais em trabalho perigoso.
Este preocupante número foi dado a conhecer no decorrer de uma palestra, levada a cabo pelo Rotary Club Lisboa-Benficaque, tendo como tema ‘Trabalho Infantil’, decorreu no dia 20 de setembro.
No mês que, em Rotary, assinalamos os ‘Serviços Profissionais’, é de importante relevância lembrar esta realidade que carece de solução e nos deve preocupar a todos. Esta ação veio chamar a atenção também para a necessidade de as empresas implementarem processos de diligência em matéria de Direitos Humanos, como forma de acautelar esta e outras questões que impedemo bem-estar das pessoas nas organizações.
Inês Crispim e Claire Bright, ambas da Universidade Nova, foram as oradoras na palestra, moderada porInês Poeiras (que foi bolseira do RC Lisboa-Benfica), salientaram que a eliminação do trabalho infantil faz parte da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e, concretamente, da Meta 8.7 que visa “assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil e, até 2025, acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.
Ainda de acordo com as palestrantes, há um entendimento generalizado que os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e os instrumentos da OCDE “são os pilares de atuação de uma sociedade democrática, e implicam uma legislação adequada para a proteção dos direitos humanos, nomeadamente no que respeita à infância”.
Explicando que “as novas exigências dirigidas às empresas têm essencialmente vindo a desenvolver-se em torno do conceito de diligência prévia (‘duediligence’)”, salientam que este conceito foi, em matéria de direitos humanos, originalmente introduzido pelos Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos das Nações Unidas, que foram aprovados por unanimidade pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 2011.
Não é um processo de diligência prévia tradicional, ao abrigo do qual as empresas avaliam o risco de determinada situação para a sua atividade, advertem. “Neste caso, será um processo que as empresas devem implementar a fim de identificar, prevenir, mitigar e prestar contas da forma como abordam os impactos adversos para os direitos humanos com os quais podem estar envolvidas”, explicam.
Nesse sentido, os processos de diligência prévia em matéria de direitos humanos consistem em 4 etapas principais:
- Identificação e avaliação dos impactos reais e potenciais nos direitos humanos;
- Integração e atuação com base nas conclusões;
- Acompanhamento das respostas;
- Comunicação externa e relatórios sobre a forma como os impactos são abordados.
Ainda de acordo com as oradoras, estes Princípios Orientadores “têm contribuído para progressos significativos no sentido de promover o respeito pelos direitos humanos e pelo ambiente no contexto da atividade empresarial”, ao mesmo tempo que “representam um padrão global de conduta para as empresas onde quer que operem”.
No entanto, advertem, “são instrumentos de soft law”, o que quer dizer que “são apenas recomendações, sem qualquer sanção no caso de incumprimento”.
Ou seja, na prática, um número crescente de empresas tem vindo a desenvolver processos de ‘duediligence em recursos humanos’, mas continuam a existir muitas empresas que ainda não começaram este processo, reforçam.
Portugal e Europa
No decorrer da palaestra, as oradoras referiram-se também à situação do nosso país. Em Portugal, contaram, o primeiro Inquérito Nacional sobre a Conduta Empresarial Responsável, em 2018, “revelou que menos de uma em cada cinco empresas tem processos de ‘duediligence em recursos humanos’ em vigor.
Já na Europa, “estima-se que apenas um terço das empresas têm processos de ‘duediligence’ em matéria de direitos humanos e de ambiente”, e que a maioria destes “inclui apenas fornecedores de primeira linha, o que é problemático uma vez que, geralmente as graves violações dos direitos humanos (como o trabalho infantil) ocorrem mais abaixo nas cadeias de fornecimento”.
Por outro lado, explicaram, a pressão regulamentar tem vindo a aumentar à medida que surgiram iniciativas legislativas nalguns países da União Europeia, que promovem a discussão do tema de forma mais assertiva.
Ao nível europeu, revelam, “um estudo para a Comissão Europeia mostrou que a maioria das partes interessadas apoiaria a aprovação de uma legislação abrangente que introduziria um dever jurídico para as empresas de adotar processos de ‘duediligence’ em matéria de direitos humanos e ambiente a nível europeu”.
Em particular, quase 70% das empresas inquiridas previram que tal legislação iria beneficiar as próprias empresas, em particular, porque permitiria aumentar a segurança jurídica, criando um padrão uniforme a nível europeu, e prevenir a competição desleal.
Em março de 2021, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução com um conjunto de recomendações dirigidas à Comissão Europeia para uma eventual proposta de diretiva sobre o tema do dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial.
Em fevereiro de 2022, foi publicada uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas, que visa promover um comportamento sustentável e responsável das empresas que operam na União Europeia em todas as suas cadeias de valor globais. Para este fim, as empresas serão obrigadas a identificar, prevenir, mitigar e remediar os impactos adversos das suas atividades sobre os direitos humanos e o meio ambiente na Europa.
Importância do debate
Para as oradoras, face a esta realidade, “é imperativo exigir a todos que se empenhem em encontrar soluções para que, à medida que nos aproximamos do fim do prazo para a implementação da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável, os direitos humanos sejam (e tenham) garantias jurídicas para a efetiva realização da dignidade humana”. Torna-se, assim, fundamental “um debate robusto, participado e consequente”, defendem.
Consideram ainda que a Assembleia da República tem um papel fundamental para garantir a implementação destes pilares, lembrando que, por isso também, no Parlamento “deve ser discutida e votada a concretização de medidas que assegurem a concretização da meta 8.7 -a eliminação do trabalho infantil até 2025”.
A legislação no âmbito do dever de diligência não é uma novidade, tendo já alguns países iniciado o processo de as tornar vinculativas, advertiram, revelando que “algumas empresas têm já aderido a iniciativas mais ou menos formais sobre estes temas”.
Chamam, contudo, a atenção: “Há a necessidade de criação de legislação adequada que seja eficientena concretização dos objetivos globais e de medidas de acompanhamento das empresas portuguesas para se tornarem líderes em matéria de sustentabilidade”.
No seu entender, as empresas têm a responsabilidade de assegurar a efetivação dos direitos humanos, inclusivamente nas suas cadeias de abastecimento. “Embora haja já empresas que estão a aderir voluntariamente a iniciativas mais ou menos formais nesta matéria, reconhecemos a exigência que este tema acarreta, sobretudo para e pequenas e médias empresas, com menos recursos disponíveis”, enfatizam, considerando ainda que “a sociedade civil em geral, e cada consumidor em particular, deve ter acesso a informação fidedigna e o mais completa possível sobre o impacto da sua decisão, em particular no combate ao trabalho infantil, para que decisões do seu quotidiano sejam esclarecidas e conscientes”.
A globalização e a democratização do consumo, consideram, “não podem fazer-se à custa da violação dos valores humanistas que são pilar identitário do desenvolvimento humano e social”.
Por isso, implementar as exigências previstas na nova diretiva e concretizar, com sucesso, os ODS, “não será um trabalho simples e linear, e dependerá muito da adesão alargada das empresas e da sua capacidade de se adaptarem às exigências que se procura que venham a ser implementadas”.
Mas deixam uma chamada de atenção final: “é um trabalho conjunto, no qual o legislador, as empresas e a sociedade civil terão de participar. E é urgente prossegui-lo”.