Por: António Mendes
PGD D1960
AR 2014-2015
Nesta época Natalícia existe um clima espiritual dado por um conjunto de ideias relativas ao Homem e ao Universo mas, particularmente, por uma especial sensibilidade para certos valores fundamentais.
Entendemos aqui por valores, algo que surge à consciência humana como resposta a certas possibilidades existenciais mas também como uma promessa, uma esperança, uma tarefa a realizar.
Em tempo de Natal, temos como que uma maturação do sentido da solidariedade humana.
Solidariedade é um termo que, curiosamente, tem algo que ver com solidez já que, etimologicamente, ambos provêm do latim “solidus”, isto é, inteiro.
Solidariedade sugere, pois, que o homem encontra solidez e segurança com os outros, em grupo, como já nos anos trinta do século passado Kurt Lewin referia ao falar do efeito de sinergismo na dinâmica de grupos (2+2=5).
Ter solidez é ter uma personalidade firme, é ser alguém com quem podemos construir algo. E a construção primeira será uma comunidade de pessoas que podem contar umas com as outras, na base da abertura, do diálogo, da confiança mútua.
Esta é a construção de “nós”, da partilha de responsabilidades. Ser solidário pressupõe ser responsável por si e pelos outros.
Uma obraútil não é uma obra isolada mas, outrossim, solidária com o passado, com o presente e com o futuro.
Quando abordamos a solidariedade nesta tríplice perspetiva, pretendemos referir o seguinte:
1 . A solidariedade com o passado é o reconhecimento da nossa dívida para com os outros naquilo que realizaram outros antes de nós. O avanço científico, técnico, tecnológico, em qualquer vertente, pressupõe o diálogo com os que antes de nós, refletiram e trabalharam sobre as mesmas interrogações.
O mundo em que vivemos é uma herança que recebemos trabalhada por outros, um mundohodológico, isto é, cheio de caminhos, de perguntas e de sonhos. “Antes de mim e a lei moral dentro de mim” dizia Kant.
Em todos os tempos e em todos os lugares houve sempre gente humilde e anónima que lutou para que outros, mais tarde, pudessem usufruir de uma vida melhor, mais fácil, mais livre.
O Natal que celebramos neste ano era uma vez o sonho de gente que no passado amou, sofreu e muitas vezes pagou com a vida a fidelidade à fé que nos legou.
Não há, pois, solidariedade sem o reconhecimento de quanto devemos aos outros, começando pelo dom da vida que os nossos pais ajudaram a criar.
- Falamos de solidariedade com o futuro, quando recordamos que os outros não são apenas alguém de quem recebemos algo; são também alguém a quem podemos e devemos dar e por quem e para quem devemos trabalhar. É esta solidariedade com os outros, numa perspetiva de futuro, que dá sentido à vida e objetivos ao nosso trabalho. Trabalhar para os outros é construir o futuro.
- Refletindo ainda sobre a solidariedade com o passado e com o futuro, descobrimos a autenticidade do nosso trabalho, da nossa vida, no presente. Tomar o presente a sério é sentir-se responsável pelo passado e pelo futuro do mundo.
Pelo passado, porque depende muito de nós realizar, dar continuidade, desenvolver o que os nossos antepassados nos legaram. Pelo futuro, porque ele depende, pelo menos em parte, daquilo que atualmente fazemos.
A solidariedade no presente é também estar com todos os nossos contemporâneos. Estar com eles e estar neles. Com eles damos sentido ao passado e preparamos o futuro.
Contudo, estar com os outros, trabalhar com os outros e para os outros tem como pressuposto o reconhecimento da sua alteridade. Os outros são pessoas com quem devemos partilhar o mundo. E isto exige humildade, tolerância, amor, mas também firmeza na defesa dos valores em que acreditamos, não permitindo a permissividade que, a coberto duma pseudo-democracia, duma pseudo-liberdade, mais não é do que uma cobardia disfarçada, patologia que envenena a solidariedade hodierna.
O Natal que celebramos evoca a assunção da condição humana pelo Filho de Deus que ensinou os homens a amarem-se uns aos outros como Ele próprio os amou.
A solidariedade cristã deve excluir a segregação, a tendência para a formação de grupos em que apenas têm lugar aqueles que connosco têm afinidades. Cristo pede o diálogo com todos, mesmo os que não pensam como nós.
O Rotário é gente que gosta de gente; de toda a gente.
Feliz Natal.