Vítor Dias, membro do Rotary Club de Aveiro, é administrador executivo das empresa Águas do Douro e Paiva (AdDP). Numa entrevista sobre este importante recurso, falou do momento atual e mostrou que ainda não o usamos com eficiência: as Nações Unidas estimam que 110 litros de água por dia são suficientes para atender às necessidades básicas. “Em Portugal, gastamos, em média, 187 litros de água por dia”.
(PR) A água é um dos bens essenciais à vida, mas é um bem presente na vida de todos e em qualidade?
(VD) A água é indissociável da nossa vida, sem ela não há vida. Em 2010, as Nações Unidas reconheceram formalmente que o acesso a água potável é um dos direitos humanos.
A gestão do ciclo urbano da água é fundamental para desenvolvimento socioeconómico, em termos de saúde pública e qualidade de vida das populações, e também do ponto de vista da sustentabilidade ambiental. Na Agenda 2030, a ONU incluiu o “acesso universal e equitativo a água potável e segura para todos” como um dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável.
Nas últimas décadas, em Portugal, este setor teve um desenvolvimento extraordinário. Os investimentos realizados tiveram como resultado a progressiva disponibilidade do serviço às populações e permitiram uma melhoria notável no que diz respeito à qualidade da água da torneira: o indicador de água segura é hoje de 99%, o que constitui um nível de excelência. Podemos, assim, consumir água da torneira com total confiança, sendo que esta é, também, a opção mais barata e ambientalmente mais sustentável.
(PR) Desde o momento da captação até às torneiras das habitações há um longo caminho. Estamos conscientes disso ou prevalece a ideia de que o recurso existe nas imediações de cada habitação?
(VD) Julgo que essa ideia ainda prevalece e que efetivamente uma grande parte da população não sabe a dimensão e complexidade de um sistema de abastecimento da água como é o das Águas do Douro e Paiva (AdDP).
Quando analisamos um sistema como este, devemos pensar que temos diariamente necessidade de captar, tratar e distribuir (em alta) qualquer coisa como 275 mil m3 de água. Ao olharmos para este número ficamos logo com a certeza que a seleção das origens de água, nesta quantidade e qualidade, não existe, como referiu, nas imediações de cada habitação. Complementarmente, também temos de atender ao custo da distribuição e à energia que consumimos para a executar. A água nunca é cara. Cara é a energia que se gasta no seu tratamento e elevação, e a construção e manutenção dos sistemas de distribuição que devem ser fiáveis e resilientes.
(PR) Qual tem sido a estratégia das empresas de distribuição – como a Águas Douro e Paiva – na consciencialização dos portugueses?
(VD) Desde a sua criação que a empresa assumiu o papel de contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável, promovendo inúmeras ações de educação ambiental, de formação e de valorização da água junto das populações, em especial junto da comunidade escolar.
Recentemente, a campanha ”Água com um Pingo de Consciência” realizada teve como objetivo promovendo a utilização eficiente da água através da consciencialização para o valor da água e para as questões relacionadas com a escassez de água.
A campanha surgiu na sequência do “Estudo Nacional sobre as Atitudes e Comportamentos dos Portugueses face à Água”, realizado em 2018, e que tinha identificado uma dissonância entre as atitudes e os comportamentos dos portugueses face à água que a consideram como o recurso mais importante mas não o valorizam monetariamente, reconhecendo mesmo que a desperdiçam.
Numa perspetiva mais abrangente, as Águas de Portugal aprovaram recentemente o seu Quadro Estratégico de Compromisso 2020-2030, que constitui um documento de vínculo das diversas empresas do grupo, em torno de grandes desafios com que estamos já a ser confrontados: as alterações climáticas, a dinâmica da descarbonização, a transformação digital e a incorporação dos princípios da economia circular na atividade. Naturalmente, o papel que a empresa e o grupo desempenharão na consciencialização dos portugueses para estas temáticas, será muito relevante.
Como Rotário, fico particularmente satisfeito com a preocupação que o movimento revela ao eleger a proteção do meio ambiente como uma das áreas de enfoque, o que significa que os nossos clubes devem promover projetos que ajudem neste grande caminho que temos pela frente.
(PR) Anualmente, há notícias de populações sem abastecimento de água e de baixas reservas nas albufeiras. Qual o ponto de situação das albufeiras nacionais?
(VD) As notícias que refere evidenciam o impacto que a seca tem no bem-estar das populações, na agricultura e na pecuária, acentuando a competição pelos diferentes usos de água.
Em Portugal continental, as situações de seca são frequentes e, em algumas zonas do território, têm consequências significativas para o setor de abastecimento de água, seja por indisponibilidade de água nas origens, seja, em alguns casos, por degradação da qualidade da água nas origens. As regiões a sul do Tejo têm uma maior vulnerabilidade e são as que têm sido mais afetadas.
A ocorrência de situações de seca é cada vez mais frequente: desde o início do século XXI, ou seja, em apenas 20 anos, já vivemos 5 períodos de seca de dimensão comparável à grande seca registada em 1944/1945.
Devido às alterações climáticas, a precipitação anual tende a ser menor e mais concentrada em períodos curtos e os períodos de seca são agora mais longos.
No final de janeiro de 2021, o volume de água armazenado em albufeiras aumentou face aos meses anteriores. Das 59 albufeiras monitorizadas, 25 apresentavam disponibilidades hídricas superiores a 80% e 12 tinham disponibilidades inferiores a 40% do volume total.
No entanto, a grande maioria das bacias hidrográficas continuava com as suas reservas abaixo dos valores históricos para esta época do ano.
Mas não podemos afirmar que os problemas, de possíveis períodos de seca, estejam circunscritos ao sul do país. Todos nos recordamos do que se passou no verão de 2017 na zona de Viseu. Assumindo a sua vertente de serviço público, a AdDP está, neste momento, a participar no projeto que irá contribuir para a resolução deste problema, através da extensão a sul do seu sistema, constituindo às portas do concelho de Viseu uma reserva de 5000m3.
(PR) A água é, não obstante a sua importância, um recurso finito. Estamos a consumir a água com eficiência?
(VD) A água é, efetivamente, um recurso limitado e a sua gestão deve garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e minimizar os riscos de escassez hídrica, sem pôr em causa a qualidade de vida das populações e o próprio desenvolvimento socioeconómico do país.
A melhoria da eficiência hídrica é também um imperativo ético: a água é essencial à vida pelo que o seu uso tem de ser consciente e ter em conta o bem-estar das gerações futuras.
Segundo as Nações Unidas, 110 litros de água por dia são suficientes para atender às necessidades básicas de um ser humano. Em Portugal, gastamos em média 187 litros de água por dia, o que evidencia que ainda temos um longo caminho a percorrer rumo ao uso eficiente.
(PR) Há uma evolução nos comportamentos do consumo dos portugueses?
(VD) A tomada de consciência do valor da água e da sua escassez tem conduzido à alteração dos comportamentos. Cada um de nós, no nosso dia-a-dia, pode fazer um uso eficiente da água, combatendo o desperdício e reduzindo os consumos, seja na preparação de alimentos, na higiene pessoal, ou na utilização eficiente de eletrodomésticos.
Também não nos podemos esquecer da outra “face da moeda”. O consumo de água consciencioso tem impacto direto no saneamento e nos custos que lhe estão associados. O direito que nos assiste à utilização da água, para os mais diversos fins, resulta no dever acrescido de devolver ao ambiente a água utilizada nas melhores condições que nos for possível, valorizando as lamas e outros subprodutos que resultam do tratamento das águas residuais.
(PR) Em altura de pandemia os comportamentos de higiene lembraram-nos a importância da água na manutenção da saúde pública. Sentiu-se uma maior valorização do recurso no último ano?
(VD) Sim, creio que há hoje uma maior perceção do valor da água. Tal seria inevitável pois, há quase um ano, que a lavagem frequente das mãos nos é recomendada como uma medida crucial para evitar a propagação da covid-19.
Também dentro da empresa AdDP, temos hoje uma ainda maior consciência do serviço público que prestamos e é com orgulho e espírito de missão que durante esta crise não paramos e continuamos a trabalhar para que a água chegue às torneiras e para proteger a saúde pública das mais de 1,6 milhão de pessoas que servimos.