André Costa Jorge
Plataforma de Apoio aos Refugiados
“As crises humanitárias vão-se sucedendo: procuramos que as nossas respostas tenham a capacidade de adaptação às necessidades de cada momento”
A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) foi criadaem 2015, tendo como missão apoiar na grave crise humanitária da Síria. O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal) faz parte da plataforma desde a primeira hora, bem como diversas instituições da sociedade civil. Desde então, a PAR – que conta com centenas de voluntários na sua causa –tem sido considerado um exemplo notável da mobilização da sociedade civil, a nível europeu, no apoio aos refugiados. André Costa Jorge é, desde 2018, o coordenador da PAR e dá a conhecer a sua ação ao ‘Portugal Rotário’.
– Qual a principal ação da PAR?
A PAR tem três Programas ou Eixos de ação: o ‘PAR Famílias’, um programa de acolhimento direto de famílias de refugiados através de uma rede de instituições anfitriãs espalhadas por todos o país, e com o apoio técnico do JRS, que assumiu funções de Secretariado Técnico desde a fundação da plataforma; o ‘PAR Linha da Frente’, um programa de apoio de primeira linha, que incluiu uma intensa angariação de fundos para apoiar no JRS e a Cáritas no Líbano, país de chegada de milhares de refugiados, e ainda um programa de voluntariado num campo de refugiados na Grécia; e o ‘PAR Sensibilização’, um programa de iniciativas e campanhas de sensibilização para a proteção de valores como a tolerância, a diversidade e a solidariedade.
O Secretariado Técnico da PAR é desenvolvido pelo JRS, desde a fundação da rede, com base na experiência adquirida em projetos de acolhimento e integração de refugiados ao abrigo de programas de recolocação e reinstalação, bem como na integração de imigrantes.O Secretariado Técnico tem como principais funções apoia as instituições anfitriãs e voluntários das comunidades de hospitalidade no acompanhamento de refugiados em todo o país.
– Como é constituída a equipa de trabalho?
A coordenação da PAR é exercida pelo Diretor-geral do JRS, desde outubro de 2018. Nesta qualidade, o JRS representa a plataforma perante a sociedade civil, as instituições públicas e privadas e os meios de comunicação, desenvolve e propõe novos projetos e, de um modo geral, anima a rede e mobiliza novas parcerias.O JRS tem ainda uma equipa multidisciplinar que assegura o Secretariado Técnico e que garante o acompanhamento das famílias, das instituições anfitriãs e das comunidades de hospitalidade.
Além disso, o coordenador da PAR convoca regularmente reuniões de Comissão Executiva, onde estão representadas várias organizações da sociedade civil membros da PAR, incluindo membros fundadores, para analisar e debater questões relevantes sobre a PAR, as necessidades humanitárias em curso e alternativas de resposta da plataforma.
– Como desenvolve o seu trabalho no terreno?
No que respeita ao acolhimento de refugiados, a capacidade de acolhimento a nível nacional, no âmbito da rede, é gerida pelo JRS, que articula com as autoridades competentes, designadamente o Alto Comissariado para as Migrações, a celebração de novos protocolos de acolhimento. Esta gestão inclui a angariação de novas instituições de anfitriãs e comunidades de hospitalidade, o acompanhamento das instituições e comunidades de hospitalidade já ativas, a mobilização de voluntários e parceiros locais, e a análise e ‘matching’ de perfis de acolhimento (perfis das cidades, perfis dos voluntários e parceiros, e mais-valias locais. de um modo geral) com os perfis de famílias e indivíduos refugiados (perfis profissionais, necessidades de saúde, tipologia do agregado, nível de vulnerabilidade, fatores de risco, etc), de forma a apoiar processos de acolhimento sustentáveis.
O JRS, através do Secretariado Técnico, apoia estas instituições e comunidades na preparação para o acolhimento (por exemplo, através de formação); faz a seleção e ‘matching’ das famílias com as ofertas de acolhimento mais adequadas às necessidades e perfil das famílias transmitidos pelo ACM; acompanha a chegada das famílias; e presta apoio multidisciplinar e integrado às famílias, instituições e voluntários, ao longo do processo de autonomia e integração.
Este apoio é desenvolvido através de um contacto permanente à distância (telefonemas, emails, videoconferências) e presencialmente, através de visitas e encontros regulares nas várias cidades do país onde se faz o acolhimento – hoje, 14 cidades.
“Trabalhar com pessoas, e sobretudo com pessoas vulneráveis, é muito exigente”
– Qual o apoio prestado?
O apoio prestado é muito diverso: identificação de necessidades especiais e ativação de respostas adequadas; regularização documental e apoio jurídico; acesso a direitos e serviços básicos, incluindo o acesso ao SNS, a Segurança Social ou as Finanças; aprendizagem do Português através da ativação de respostas locais ou, na sua ausência, insuficiência ou desadequação, da criação de novas respostas; integração das crianças no sistema escolar ou em respostas de apoio à família; apoio na integração no mercado laboral; apoio na saúde mental; gestão de expectativas e orientação cultural; reagrupamento familiar; acesso à habitação; entre outras temáticas que possam surgir com cada família particular.Este apoio no terreno é desenvolvido por uma equipa multidisciplinar dinâmica, com o apoio de psicólogos especializados e intérpretes de várias línguas.
– Que apoios tem a PAR para desenvolver o seu trabalho?
A PAR não tem fundos próprios, portanto as suas atividades são desenvolvidas e financiadas através das atividades e recursos dos seus membros. No nosso caso, o JRS tem projetos financiados por diversas fontes, e sobretudo pelo fundo europeu FAMI – Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração. É através destes projetos – submetidos através de candidaturas a ‘calls’ específicas – que apoiam equipas, estruturas e outros meios e recursos, que o JRS desenvolve o seu trabalho de acolhimento e acompanhamento de refugiados, no âmbito da sua missão e também na qualidade de organização coordenadora e dinamizadora da PAR.Naturalmente, estes projetos não garantem a satisfação de todas as necessidades de forma imediata – pela própria natureza da nossa missão. As crises humanitárias são, muitas vezes, emergências, rápidas e imprevistas, e, muitas vezes, os projetos em curso não são aptos ou suficientes para dar a resposta de emergência necessária na ‘hora H’.Com esforço, flexibilidade e muita capacidade de adaptação, vamos conseguindo criar respostas de acolhimento e apoio, que depois procuramos formalizar através de projetos financiados, quando surgem oportunidades de financiamento.
– Quais são os principais desafios que enfrenta nodia-a-dia para conseguir desenvolver a sua ação?
Trabalhar com pessoas, e sobretudo com pessoas vulneráveis, é muito exigente.
O trabalho de acolhimento e acompanhamento de refugiados é um trabalho em relação com “o Outro”, e exige muito das equipas e dos técnicos a nível pessoal e psicológico, mas também a nível de horários, estabelecimento de limites, compreensão multicultural, capacidade de ajuste e resposta rápida a urgências e às necessidades tão diferentes que vão surgindo.Penso que um dos principiais desafios dos técnicos e das equipas é a constante conciliação das diversas esferas em jogo, mantendo um trabalho dedicado com o seu próprio autocuidado consciente.
A um nível mais prático e funcional ou organizacional, uma das nossas maiores dificuldades, sendo uma organização sem fins lucrativos, é garantir a continuidade e consolidação do trabalho que desenvolvemos com base em projetos de duração limitada e, por vezes, curta.
A dependência financeira de projetos ou dos ‘hypes’ mediáticos que trazem fortes movimentos de doação de fundos num determinado momento, fazem da sustentabilidade um dos maiores desafios do JRS e de qualquer ONG.
Outro desafio típico de uma organização sem fins lucrativos é a necessidade de trabalhar em contextos de emergência e criar respostas rápida, num ritmo desfasado dos processos de submissão e análise de projetos e das burocracias associadas aos financiamentos.
– Quais as características das pessoas que apoiam?
Depende do contexto de cada época. Apoiamos migrantes de todas as nacionalidades, com particularidade para as pessoas oriundas dos PALOP, de onde Portugal recebe muita imigração pelos vínculos culturais que temos.
Também recebemos e apoiámos muitos venezuelanos, pela forte presença de uma comunidade portuguesa emigrada nesse país e consequente vínculo das gerações seguintes com Portugal.
Em 2015-16, acolhemos centenas de sírios que fugiam à guerra do seu país, através dos programas de reinstalação e recolocação da União Europeia, através dos quais se promoviam mecanismos de alívio e cooperação com os primeiros países de chegada (Grécia, Itália, Turquia).
Em 2021, com a crise no Afeganistão, acolhemos centenas de pessoas que conseguiram ser resgatadas ou, de alguma maneira, chegar a Portugal.
Em 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e acolhemos e apoiámos muitas, muitas centenas de ucranianos.
A par destas crises, acolhemos sempre refugiados resgatados pelos barcos humanitários no Mediterrâneo, a maioria rapazes muito jovens, sozinhos, e oriundos de países africanos, com experiências fortes de violência e exploração, ao longo das suas travessias.
Estas populações têm perfis, experiências de travessia, contextos culturais e expectativas bem distintas, e exigem do JRS uma capacidade de adaptação e trabalho multicultural forte.
Ao mesmo tempo, sabemos que as crises humanitárias se vão sucedendo e procuramos que as nossas respostas tenham a capacidade de adaptação às necessidades humanitárias de cada momento.
– Que tipo de apoio lhes é prestado em Portugal?
Também depende do enquadramento e estatuto legal que tenham. Os refugiados que vêm ao abrigo de programas internacionais de recolocação têm direito a um programa de integração de 18 meses, com uma série de apoios determinados por um protocolo de acolhimento e acompanhados por uma organização anfitriã.Os refugiados que chegam a Portugal de forma espontânea são apoiados através da Segurança Social, de outro modo.
Os ucranianos, por exemplo, não são tecnicamente considerados refugiados mas beneficiários de proteção temporária, o que lhes dá um conjunto de apoios específicos, mas não o estatuto de beneficiário de proteção internacional.
No JRS, temos equipas de apoio social, jurídico, psicológico, médico e medicamentoso, apoio na procura de emprego, formação profissional e aprendizagem da língua e cultura portuguesas, sem discriminação pelo título legal ou nacionalidade, e procuramos, com as ferramentas e apoios que temos, apoiar os migrantes e refugiados no acesso aos apoios básicos e no caminho para a autonomia e integração.
– Que parcerias têm no terreno que permitam apoiar estas pessoas?
O JRS é membro e coordenador da PAR, uma rede dispersa por todo o país, com dezenas de organizações da sociedade civil com quem coopera de distintos modos, em distintos momentos. Na comissão executiva da PAR, encontram-se, por exemplo e entre outros, a Cáritas, a Unicef, a Universidade Católica, a CNIS e os próprios clubes Rotary.
Temos também parcerias com entidades públicas, como a Câmara Municipal de Lisboa ou a Câmara do Porto, e com grandes empresas, como a Sonae, a Jerónimo Martins, ou a Leroy Merlin.
Nas cidades onde temos famílias acolhidas, procuramos mobilizar e desenvolver parcerias locais que possam apoiar a integração comunitária das famílias, por exemplo ao nível da sua integração no mercado de trabalho.
“Uma das nossas maiores dificuldades, sendo uma organização sem fins lucrativos, é garantir a continuidade e consolidação do trabalho que desenvolvemos com base em projetos de duração limitada”
– Em 2022, com a guerra na Ucrânia, a PAR e o Rotary em Portugal
desenvolveram uma parceria para apoiar os refugiados da Ucrânia. Que balanço faz dessa ação?
O balanço desta ação é bastante positivo. Os clubes Rotary são um grupo muito bem organizado, com respostas espalhadas de norte a sul do país, que nos contactaram demonstrando vontade de apoiar os refugiados que estávamos a acolher. Para além desta vontade de ajudar, os rotários mostraram ainda vontade de aprender com a nossa experiência, de modo a melhorar as iniciativas que já tinham iniciado dentro dos clubes.
Ao longo destes meses, reunimos com vários clubes rotários que quiseram conhecer o nosso trabalho e necessidades. Entre donativos monetários ou em espécie, partilha de contactos, visitas ao centro de acolhimento, ficámos bastante sensibilizados com a solidariedade e entrega do Rotary.
Muito recentemente, tivemos a alegria de receber no novo Centro de Acolhimento em Vila Novas Gaia, através de doações mobilizadas pelo Rotary, um fogão industrial, uma máquina de lavar a loiça, quatro máquinas de lavar a roupa, duas máquinas de secar, quatro ferros com caldeira e quatro micro-ondas, e receberemos ainda 60 cadeiras e 30 mesas para colocar no refeitório.
– Quantos foram, de uma maneira geral, as pessoas apoiadas no âmbito
desta parceria?
Fruto desta parceria foram apoiadas cerca de 100 pessoas.
– Um ano depois, diria que estas pessoas estão integradas em Portugal? A resposta conseguida foi eficaz, na generalidade dos casos?
Muitos adultos estão a trabalhar e as crianças estão inscritas e a frequentar a escola – até porque legalmente é obrigatório -, o que é sempre um bom sinal no caminho da autonomia e da integração.
Mas a integração é um processo complexo e longo, e ainda é cedo para determinar se estas pessoas estão integradas, até porque a maioriaaindaespera pelo fim da guerra para voltar, como quer, para casa.
– Para além da Ucrânia, que outras situações têm, neste momento, em
mãos, para conseguir respostas?
O Afeganistão, embora tenha saído das capas dos jornais, ainda é uma crise presente, e tem vindo a agudizar-se. Há muitas famílias muito vulneráveis em Portugal, muitas delas com familiares ainda no Afeganistão.
Outra urgência na agenda é, pelos motivos óbvios, a Habitação, sem a qual nenhuma autonomia ou integração são possíveis. Se o acesso à Habitação é um tema urgente e muito problemático para os próprios portugueses, os migrantes e refugiados ficam completamente à margem: por preconceito e racismos, por falta de rede de contactos, por falta de garantias, etc.
– Como pode a sociedade apoiar-vos neste vosso notável trabalho?
Penso que é importante continuarmos a desenvolver a nossa parceria de acordo com a realidade do nosso trabalho, em cada etapa.
O apoio na angariação de fundos ou bens para dar resposta a necessidades identificadas e que de outro modo não seria possível acautelar é fundamental. O apoio à integração laboral, a nível local, através de contactos ou do acompanhamento e orientação dos adultos refugiados, também é um apoio muito interessante a desenvolver.
A dispersão geográfica dos clubes Rotary articula-se muito bem com o acolhimento a nível nacional do JRS, e seria interessante também ativar concretamente os clubes locais, nas cidades onde as famílias são acolhidas, criando redes informais de apoio.