Por Fernando J Regateiro | RC de Coimbra | Presidente da Comissão Executiva da Fundação Rotária Portuguesa
Nos últimos anos, fomos confrontados com a crise do sistema financeiro de 2008 gerada pelo excesso de ativos tóxicos bancários (“subprime”), o que rapidamente se refletiu na economia real, e, de seguida, com a crise de 2020 de causa sanitária motivada pela COVID-19, de que ainda hoje sofremos os efeitos. Estamos agora confrontados com a muito provável instalação, em 2023, de uma nova crise económico-financeira na Europa, gerada pela invasão da Ucrânia, com uma escalada da inflação acima dos 2%, subida da taxa de juro e do custo do crédito à habitação, aumento dos encargos com a dívida pública, queda para valores negativos da taxa de atividade económica e alto risco de recessão.
Estes contextos de crise são de natureza estrutural e portadores de força transformadora, quiçá de ameaça das atuais bases sociais, económicas e políticas de organizações filantrópicas de base voluntária, como a Fundação Rotária Portuguesa (FRP).
As Fundações e organizações congéneres assentes no voluntariado e dedicadas à filantropia são, habitualmente, instituições independentes, sem fins lucrativos, dinâmicas e flexíveis, que têm como objetivo primordial, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Atuam, principalmente, nas áreas da assistência social e da educação, contribuindo para resolver ou atenuar dificuldades ou necessidades individuais ou de grupo que as pessoas e/ou o Estado não conseguem colmatar. Surgem em sociedades civis capazes de iniciativa autónoma em relação ao Estado, e com cidadãos com sentido de dever de solidariedade para com os mais vulneráveis.
O financiamento das Fundações é influenciado pelo ambiente cultural, social, económico e político da região ou país em que intervêm. Com a globalização, os efeitos de perturbações sociais e políticas e de dificuldades económicas que acontecem num país ou região do globo podem, rapidamente, estender-se a outras regiões e países.
As dificuldades sentidas pelas Fundações podem resultar:
- da insuficiência de meios humanos e ou materiais, nomeadamente financeiros;
- de uma visão fixada num tempo passado que não acompanhe as mudanças económicas e de perceção dos reais interesses e necessidades das pessoas;
- da eventual banda estreita do seu campo de ação;
- de eventual excesso de voluntarismo e défice de profissionalismo no agir.´
Um dos grandes problemas das Fundações é a sua subsistência, o que passa pela capacidade para motivar os cidadãos e as empresas para serem doadores e suporte das atividades de serviço que constituem o seu objeto.
Há múltiplas variáveis que influenciam a disponibilidade dos cidadãos e das empresas para serem doadores:
- algumas do foro individual – ter beneficiado de apoio filantrópico, ser altruísta, ter caridade e sentido de justiça social, ter meios de vida e ter pena ou sentimento de culpa, conhecer a realidade, procurar ganho de prestígio ou protagonismo;
- outras relacionadas com a instituição de destino da doação – a identificação com causas idênticas, a imagem pública e a robustez e confiança que gera, e a crença de que através da instituição em causa, a sua doação será bem usada;
- em relação às empresas e à prática da responsabilidade social corporativa – os valores que perfilham, a melhoria da imagem e os ganhos reputacionais.
Outro dos problemas das Fundações assentes no voluntariado consiste na dificuldade em motivar os concidadãos para lhes dedicarem parte do seu tempo pessoal, como voluntários.
A disponibilidade para o voluntariado e para doar diverge entre culturas, países e mesmo regiões dentro de um mesmo país. Em tempos de crise verifica-se, genericamente, que há áreas de atividades de serviço ao próximo que podem ser penalizadas, outras que se mantêm e algumas que podem, inclusive, registar aumento de receita. As
atividades com foco na investigação médica, nas crianças e nos asilos são as menos afetadas com as crises económicas.
Tome-se, como exemplo, o efeito da crise do “subprime” nas instituições gregas dedicadas à área da educação (Tzifakis N, et al. Voluntas, 2017. DOI 10.1007/s11266-017-9851-3): em 2013, as doações de particulares diminuíram de 20% para 10% das receitas recebidas, o suporte gerado pela responsabilidade social corporativa manteve-se estável, e o número de cidadãos com dedicação ao voluntariado aumentou.
No Reino Unido, a crise do “subprime” afetou mais as ”Charities” com receita >100.000€, e menos as de menor dimensão, mais intensamente as dedicadas às artes, cultura, desporto e recreação (62%) e menos as que prestam serviços em pequenas comunidades (52%). A parte da receita vinda dos sócios (cerca de 30%) não foi afetada em 75% das instituições, aumentou em 13% e diminuiu em 12% (“Charities and the economic downtown”, março, 2010).
Nos Estados Unidos, a grande recessão reduziu o total das doações cerca de 7% em 2008 e 6,2% em 2009 (Reich R, et al. Russel Sage Foundation, Oct 2012).
Com a COVID-19, 86% das “Charities” e 64% das organizações sem fins lucrativos do Reino Unido declararam, em 2020, estar a reduzir serviços e pessoal, apesar do aumento da procura, e na Roménia, 13% das organizações não governamentais planeiam encerrar de vez (Europe Now J, 6Oct2020).
Perante uma crise económico-financeira, impõem-se mudanças destinadas a melhorar a resiliência de uma Fundação, como sejam:
- refletir sobre o efetivo valor acrescentado das atividades desenvolvidas;
- apostar em “boas práticas” e dar mais valor à transparência e à “accountability”;
- melhorar a comunicação com os doadores e a sociedade em geral;
- reduzir custos operacionais e melhorar a proximidade junto dos cidadãos através de ferramentas digitais;
- modelar a atividade de modo a responder ao aumento das necessidades de apoio ou a eleger novas áreas de intervenção para responder a necessidades emergentes.
No âmbito particular da FRP, parece razoável deduzir, a partir do gráfico da página anterior, que a crise do “subprime” gerou uma redução dos donativos regulares e externos. Entre 2016 e 2019-2020, regista-se uma ligeira recuperação, com quebra acentuada em 2018- 2019. No ano rotário 2020-2021, observa-se de novo uma redução, certamente associada à crise gerada pela COVID-19.
Os resultados observados para a FRP, não divergem significativamente do que se passou noutros países e noutras instituições congéneres da Europa. Impõe-se, por isso, trabalho redobrado e grande unidade, para manter e reforçar as atividades de serviço da FRP, por maioria de razão, quando um nova crise económico-financeira se está a instalar.
Assim, e à luz dos contextos externo e interno atuais, fará sentido partirmos para uma reflexão profunda e imediata sobre as orientações estratégicas da FRP e sobre o seu modelo de governação. Será procedente saber transformar as ameaças em oportunidades, recorrendo às forças que são apanágio do movimento rotário em geral e dos rotários portugueses em particular, e começar por corrigir fragilidades próprias, de que são exemplos:
- a dificuldade de comunicar bem o impacto socialpositivo que geramos, a forma como o fazemos e os parceiros que conseguimos agregar na nossa ação;
- ou a dificuldade de expandir qualitativamente o nosso quadro social e de mobilizar doadores, como bases para uma mudança significativa do volume e, eventualmente, da tipologia das atividades de serviço que desenvolvemos.
A FRP é uma instituição particular de solidariedade social do âmbito do Ministério da Educação, a que foi reconhecida a natureza de pessoa coletiva de utilidade pública, por despacho do Ministro da Educação, datado de 29 de julho de 1991. Reúne, por isso, boas condições para atrair donativos – as doações que lhe são entregues podem ser objeto de majoração em sede tributária.