Por: Helena Silva
Empreendedorismo Juvenil. O destaque surge integrado no âmbito do Dia Internacional da Juventude, que se assinalou a 12 de agosto, e envolvido por todo o destaque que os jovens tiveram no nosso país, nas últimas semanas, com a realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude. Glória Reino foi uma das professoras pioneiras no nosso país na aplicação de Programas de Empreendedorismo na Escola. Fala-nos sobre a importância de, desde tenra idade, este ser um tema imprescindível junto dos jovens. Até porque, salienta, “aprende-se a ser empreendedor”.
Quando pensamos em empreendedorismo, associamos automaticamente ao tecido empresarial e ao mundo dos adultos. O que é e qual a importância do empreendedorismo juvenil?
É certo que a expressão “empreendedorismo” é naturalmente associada à criação de negócios. Hoje já ouvimos falar muito em empreendedorismo juvenil nomeadamente em programas de empreendedorismo nas escolas, contudo, a maior parte das pessoas não saberá do que estamos realmente a falar. Antes propriamente de falarmos do que é isto de “empreendedorismo no ensino” importa se calhar olhar um bocadinho para o que foi a realidade do ensino em Portugal. As gerações mais velhas lembrar-se-ão como tinham na infância, um ensino compartimentado baseado na disciplina e na aprendizagem por memorização e em que, o bom aluno era o que “empinava” e debitava melhor. Não precisamos de recuar séculos para perceber as diferenças abismais relativamente ao atual sistema de ensino. Basta recuarmos 50 anos e irmos ao ensino antes do 25 de abril. Este velho modelo do sistema de ensino foi sendo abandonado e hoje, face a todas as exigências do mundo globalizado em que vivemos, as abordagens têm de ser completamente diferentes, os métodos de ensino têm de ser ativos. Passámos de uma economia industrial, caracterizada pelo trabalho e realização de tarefas repetitivas, para uma economia do conhecimento baseada na tecnologia, na robotização e em pessoas inteligentes. Vivemos numa economia criativa. A criatividade nasce do confronto de ideias, do desejo de fazer coisas diferentes, da rebeldia em relação ao status-quo. Antigamente quando alguém se apresentava como candidato a um emprego o que o empregador via era a experiência ou as classificações do curso. Hoje já não é assim. A empregabilidade do indivíduo está cada vez mais exigente. Exigente porque as empresas procuram pessoas que se destaquem das demais, não só pelas competências técnicas que possuem, mas sobretudo pelas capacidades e qualidades pessoais, as tais que se encontram nos empreendedores, também conhecidas por Soft Skills. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a aptidão para o empreendedorismo não constitui um dom inato e natural. Nem vem inscrito no nosso código genético. Aprende-se a ser empreendedor.
Há uma idade para as crianças começarem a ter contacto com estes temas?
Eu sou professora do ensino secundário e é neste ciclo que trabalho as competências empreendedoras, porém, há programas adequados a todos os níveis de ensino, do 1º Ciclo ao Ensino Secundário e Profissional. É altamente desejável que se introduza, esta temática, o mais cedo possível na vida escolar dos alunos. O ideal era os discentes começarem logo no 1º ciclo a terem contacto com estes programas, por forma a desenvolverem, o mais precocemente, todo um conjunto de capacidades que se afiguram fundamentais.
“O sucesso dos meus alunos é o meu sucesso, enquanto docente”
Desde quando e como é que trabalha este tema com as crianças/jovens?
Despertei para a educação empreendedora há 17 anos, quando fiz a minha primeira formação nesta área. Fui uma das pioneiras nesta área. Na altura, pouco ou nada se falava de empreendedorismo nas escolas. Percebi a importância de inovar e, timidamente, comecei a alterar práticas de ensino e de avaliação. Ao fim de todos estes anos, fico muito feliz e orgulhosa com os resultados alcançados. O sucesso dos meus alunos é o meu sucesso, enquanto docente. Existem várias empresas e organismos que possuem programas próprios que são trabalhados pelos professores nas escolas. Hoje existe muita oferta. Importa acreditar na importância destes programas e querer alterar práticas. Infelizmente a educação empreendedora ainda não é uma realidade em todas as escolas e muito menos em todos os ciclos. Ainda existe muita resistência à mudança.
Que mudança causa esta abordagem no desenvolvimento desses jovens?
Hoje os empregadores valorizam pessoas empreendedoras, pessoas com talento, que saibam trabalhar em equipa, que vejam nos problemas oportunidades, pessoas criativas, pessoas com um conjunto de características que infelizmente durante muito tempo não foram trabalhadas nas e pelas escolas. Quando falamos em empreendedorismo no ensino ou educação empreendedora, estamos a remeter para um conceito que está relacionado com o desenvolvimento de habilidades que são comuns ao empreendedor. Uma educação empreendedora estimula o pensamento crítico, a análise de problemas mais complexos e a busca por soluções inteligentes para esses mesmos problemas. Ser empreendedor vai muito além de “ter uma empresa”. É, acima de tudo, uma atitude perante a vida, uma forma de estar que é apresentada como indispensável para o percurso de qualquer indivíduo e claro, também para o desenvolvimento socioeconómico das sociedades.
Qual a recetividade das escolas para este tema?
São cada vez mais as escolas que despertam para a importância deste tema e que desenvolvem programas de empreendedorismo. A aplicação destes programas parte da iniciativa das próprias Escolas/Agrupamentos de Escolas, mas também das Comunidades Intermunicipais, Autarquias, Associações Empresariais ou entidades privadas. Infelizmente, ainda existe alguma resistência por parte das escolas e da classe docente. Para aplicar estes programas de empreendedorismo e retirar o maior proveito deles, é importante acreditar na importância de desenvolver capacidades empreendedoras e querer efetivamente alterar práticas de ensino. A mudança do status quo dá trabalho, implica repensar toda a prática letiva e naturalmente repensar a avaliação dos alunos.
“É fundamental que os programas de educação para o empreendedorismo se tornem uma realidade em todas as escolas”
Pela sua experiência, Portugal tem, a nível de empreendedorismo juvenil, um desempenho idêntico aos restantes países da União Europeia ou há ainda um caminho a percorrer?
Apesar das recomendações da Comissão Europeia e dos diplomas legais publicados para a promoção do espírito empreendedor através do ensino e aprendizagem, promovendo o empreendedorismo como uma alavanca para a coesão social do país, Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer, pois não tem havido grande alteração formal, que facilite a introdução destes projetos nas escolas. Apesar de os resultados de aprendizagem relacionados com a educação para o empreendedorismo serem considerados de grande importância, a verdade é que não surgem como uma prioridade. Urge alterar isto.
Que apostas/medidas deveriam ser adotadas?
Em Portugal, os valores do empreendedorismo continuam a não ser apresentados como um objetivo explícito do currículo educativo e do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória. Infelizmente, constata-se a existência de uma grande discrepância entre o discurso e a ação política. As políticas públicas pouco ou nada mudaram em Portugal. É fundamental que os programas de educação para o empreendedorismo se tornem uma realidade em todas as escolas. É urgente promover dinâmicas e ações flexíveis à aprendizagem, que ofereçam aos alunos oportunidades práticas para que saiam da sua zona de conforto, que promovam o seu espírito crítico, o trabalho em equipa, a responsabilização social e os transformem em virtuosos cidadãos por forma a contribuírem, no futuro, para uma sociedade mais sociedade mais próspera, sustentável e inclusiva.
Quem é Glória Reino
Advogada há 33 anos e professora de Economia, no Colégio Marista de Carcavelos, onde leciona há 32 anos, foi uma das professoras pioneiras no país na aplicação de Programas de Empreendedorismo na Escola. São incontáveis os prémios ganhos por alunos, que orientou, em competições de empreendedorismo de âmbito nacional e internacional. Em julho passado, esteve com uma equipa de alunos na maior competição europeia de empreendedorismo jovem que decorreu em Istambul. No corrente ano de 2023 viu uma equipa de alunos vencer a competição nacional da JuniorAchievement, uma outra equipa vencer a competição nacional “Skills for the future”, uma equipa classificar-se em 3º lugar na competição nacional Euronext – Blueeconomy” e outra classificar-se em 2º lugar na competição “DNA Cascais Escolas Empreendedoras”. Possui uma licenciatura em Direito, Programa Doutoral em Ciências da Educação da Universidade de Granada, Pós-Graduação em “Avaliação pedagógica das aprendizagens” pela Universidade Católica do Porto, SchellerTeacherEducationProgram do Massachusetts InstituteofTechnology (MIT), Pós-Graduação em “Gestão do Desenvolvimento e Cooperação Internacional” pela Universidade Moderna de Lisboa, Curso “Modificabilidad cognitiva y enriquecimiento instrumental” da Universidade Pontificia de Salamanca e Curso “Economia Contemporânea e Ensino da Economia” do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), entre muitas outras formações.
Devido à sua experiência e sucesso na área do empreendedorismo nas escolas, participa, muitas vezes, em palestras e mesas redondas sobre o tema. Em 2021, foi distinguida com o “Teacheroftheyearaward” pela JuniorAchievementEurope, em 2022, foi distinguida pelo Rotary Club Parede-Carcavelos como “Profissional do Ano” e, em 2023, foi distinguida com o prémio “Professora Empreendedora” pela DNA Cascais.
É mãe de um rapaz de 22 anos e companheira de um rotário.