Por: Carlos Cipriano
Licenciado em Economia pelo ISE, professor e jornalista
Se apanhar o Intercidades de Lisboa para o Porto a sua viagem será responsável pela emissão de 4,92 Kg de CO2. Mas se optar por ir de carro o valor das emissões desse gás com efeito de estufa já será de 42,94 Kg. Dez vezes mais. Um valor só possível porque a viagem sobre carris é feita integralmente em comboio elétrico.
Mas mesmo com comboios a diesel, o modo ferroviário continua a ganhar, do ponto de vista ambiental, ao modo rodoviário. Na Europa, onde a maioria das linhas são eletrificadas, a ferrovia emite, em média, 28 gr de CO2 por cada quilómetro percorrido, contra 102 gr de CO2/km do transporte rodoviário e 244 g de CO2/km do transporte aéreo (dados da CER – Community of European Railway and Infrastructure Companies).
É isto que faz do comboio um elemento fundamental para a descarbonização da economia e um contributo incontornável para alcançar as metas climáticas da União Europeia. Em suma, defender a ferrovia é defender a sustentabilidade.
Portugal tem caminhado no sentido inverso. Durante décadas desinvestiu-se na ferrovia: encerraram-se linhas, fecharam-se estações, diminuíram-se serviços, reduziu-se a frota de comboios, encostou-se material circulante em estado operacional, negligenciou-se a manutenção, tanto dos comboios como da infraestrutura. Em contrapartida, o país apostou na rodovia e Portugal é hoje o único país da Europa continental cuja rede de autoestradas (3.100 quilómetros) é maior do que a rede ferroviária (2.400 quilómetros).
Hoje os dois partidos que se alternaram no poder nos últimos 50 anos reconhecem que desinvestir na ferrovia foi um erro. No fundo, limitaram-se a dar ao povo aquilo que o povo queria: carros, estradas, autoestradas. Era, no fim de contas, aquilo que os portugueses desejavam quando, em 1986, o país entrou na CEE – ter carros e estradas iguais às da Europa.
A inversão da curva descendente na ferrovia deu-se a partir de 2020, ainda que de forma incipiente. Por parte da CP, reabriu-se as oficinas de Guifões, recuperou-se material circulante e evitou-se o afundamento do serviço de passageiros sob o mote “o comboio chega à estação, a horas e limpo”. Pode parecer pouco porque isso é o mínimo de um serviço ferroviário. Mas nem isso se estava a conseguir devido ao desinvestimento das últimas décadas.
Por parte da infraestrutura, lançou-se em 2016 o ‘Ferrovia 2020’, um programa de 2,1 mil milhões de euros para modernizar as linhas de caminho-de-ferro portuguesas. O resultado desilude: parte dos investimentos são apenas manutenção pesada, outros são modernizações low cost, limitadas à eletrificação de linhas, mas sem reais ganhos nos tempos de percurso porque não permitem aumentos de velocidade dos comboios.
Pior: oito anos depois, o programa que deveria estar concluído em 2020 ainda nem está executado em 50%.
Lançou-se, entretanto, o projecto da alta velocidade com uma linha Lisboa – Porto (com estações em Gaia, Aveiro, Coimbra e Leiria)e futura prossecução para Vigo. Terá uma primeira fase entre o Porto e Soure, seguindo-se o troço Soure – Carregado. A terceira fase está em aberto, dependendo da localização do futuro aeroporto de Lisboa, sendo que, até lá os comboios de alta velocidade usarão a linha do Norte entre o Carregado e a gare do Oriente.
A sua construção em bitola ibérica (distância entre carris) permitirá uma integração perfeita com a rede convencional fazendo com que os ganhos de tempo desta “autoestrada ferroviária” se repercutam noutras origens e destinos para além de Lisboa e Porto, aproximando assim o Norte, o Centro, o Alentejo e o Algarve, no fundo, encurtando os tempos de viagem no país.
O projeto é consensual e mereceu a aprovação de praticamente todos os partidos da Assembleia da República. Há, pois, vontade política, fundos comunitários e a aprovação de Bruxelas para uma linha que será fundamental para a ferrovia portuguesa, para cumprir as metas da descarbonização e para a própria coesão territorial do país.