Por Lia Costa Mano
Área de Pediatria Médica do Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.
Unidade de Infeção: Etiologia, Patogénese e Bases Terapêuticas | Faculdade de Ciências Médicas, Nova Medical School. Rotary Club de Lisboa-Centro.
Num país devastado pela guerra, não são apenas aqueles que usam uniforme que ficam feridos, desnutridos e doentes. A somar aos ferimentos resultantes de bombardeamentos e ataques em massa, são imensuráveis as consequências para a população da desintegração sucessiva dos serviços urbanos.
As taxas de morte por doenças infeciosas e não infeciosas quase sempre ultrapassam as de mortes por armas, o que constitui um forte indicador de que a guerra, através dos ataques aos profissionais e estabelecimentos de saúde e à população em geral, não gera uma interrupção temporária, mas sim a desintegração total de um sistema de saúde.
O setor da saúde – juntamente com a infraestrutura hídrica, energética e de educação – é um dos primeiros a colapsar com o impacto cumulativo da guerra, em particular em áreas urbanas. Em localidades de elevada concentração populacional e dependência de infraestruturas e serviços públicos intimamente interconectados, os efeitos da destruição causada são sentidos com maior intensidade.
A guerra afeta todos, mas as mães e as crianças constituem grupos de maior vulnerabilidade. Além dos efeitos imediatos, os esforços contínuos para reduzir a mortalidade infantil e perinatal, melhorar a saúde materno-infantil e combater doenças (como o HIV/SIDA e a tuberculose, entre outras) são aniquilados quase instantaneamente. As dificuldades no acesso e na acessibilidade aos cuidados de saúde, a interrupção dos programas de vacinação, a pobreza e a malnutrição, as más condições sanitárias, o impacto na estrutura familiar e nas estruturas educacionais repercutem-se inevitavelmente nos indicadores de saúde materno-infantil e no normal desenvolvimento da criança. A reconstrução do que foi destruído levará certamente anos, se não mesmo décadas.
Para além de um sentido moral de cooperação por parte da comunidade internacional, direcionando a ajuda para organizações experientes (como as Organizações Não Governamentais, que poderão distribuir equitativamente os recursos), bem como na participação num diálogo construtivo para sair da profunda crise contemporânea dos sistemas de saúde em conflitos armados, cabe-nos a criação de condições para o acolhimento e integração de refugiados.
A maioria da população imigrante proveniente da Ucrânia chegou a Portugal no final dos anos 90 devido à queda do muro de Berlim e ao colapso do sistema da União Soviética (1992), que levou 120 milhões de pessoas a extrema pobreza.
A sua deslocação para Portugal assentou essencialmente na diferença entre o nível de vida e os salários entre Portugal e Ucrânia, no peso simbólico que Portugal tinha na integração na União Europeia e na possibilidade de desempenho de funções indiferenciadas na área da construção e limpezas.
No entanto, grande parte destes imigrantes vive em grande isolamento devido não só à sua cultura, mas também às dificuldades de aprendizagem e domínio da língua portuguesa. Este isolamento, acrescido da necessidade de um contrato de trabalho, resulta em situações de discriminação no local de trabalho e, consequentemente, de exclusão social (Wall et al., 2005b) e pobreza (Padilla &Miguel, 2009), constituindo fatores de vulnerabilidade importantes em termos de saúde.
As questões de género, classe social e etnicidade constituem os principais fatores de iniquidades na saúde (Llácer et al., 2007). Verificam-se ainda dificuldades na utilização dos serviços disponíveis por parte das populações imigrantes, seja por desconhecimento dos seus direitos e condições de acesso, medo de serem repatriadas em caso de situações irregulares no país, problemas comunicacionais, entre outros (Topa, 2013). É, assim, essencial uma adaptação dos serviços sociais e de saúde e que os profissionais que lidam com estas populações desenvolvam competências relacionais e transculturais, a nível de relação de ajuda e de empatia. A própria World Health Organization (1998) defende o envolvimento do marido, companheira/o ou outros familiares nos cuidados da mãe e recém-nascida/o e que devem ser tidas em atenção além das suas necessidades físicas e psicossociais, também as necessidades culturais envolvidas, incluindo a nutrição e o aleitamento.
Finalmente, tratando-se de uma publicação dedicada à saúde materno-infantil e a um tema bastante amplo e não fácil de abordar em poucas linhas, é essencial a abordagem do tópico de como explicar o tema da guerra às crianças. No fundo, não podemos esconder a existência da guerra das crianças, nem protegê-las da informação difícil de gerir que circula diariamente através dos media. Neste contexto, os pais e professores serão as melhores fontes de informação e segurança.
Enumeram-se sucintamente algumas orientações gerais sobre como abordar este tema com as crianças:
- Dar espaço e tempo à criança para colocar as suas questões;
- estar atento às próprias emoções e verbalizações (pois a criança sintoniza emocionalmente com os adultos significativos);
- Procurar validar a criança quando esta expressa os seus sentimentos;
- Ajudar a criança a sentir-se segura mantendo as suas rotinas habituais, filtrando a informação e as imagens a que tem acesso e mantendo sempre a disponibilidade para o diálogo.
Por último, recomenda-se que os adultos se mantenham atentos a eventuais mudanças comportamentais que remetam para alguma dificuldade de gestão emocional, tais como dificuldade a adormecer, pesadelos, ansiedade, maior dependência do adulto, evicção de certos locais, etc.
Tenhamos sempre presente que vida/morte, saúde/doença, presente/futuro são conceitos indissociáveis e que, da mesma forma, estamos todos tão intrinsecamente ligados. Somos todos afetados pela guerra – mesmo sem que o nosso país se encontre em guerra.
Cultivemos um futuro pautado pela tão desejada paz – e sem crianças, não haverá certamente futuro.