A professora da Universidade Nova de Lisboa, Teresa Ferreira Rodrigues, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais e do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas dessa instituição de ensino considera que os incentivos de apoio à família não têm sido suficientes para “remover obstáculos”. É certo que Portugal perde população, mas não sabemos que impactos isso terá no futuro.
(PR) Em 2020 houve menos testes do pezinho e menos grávidas para fazer acompanhamento. A pandemia, por si só, pode explicar o recuo na taxa de natalidade nacional?
(TFR) Nunca existe uma causa única para a ocorrência de um fenómeno como este, mas também é certo que hoje os comportamentos das famílias têm vindo a mudar de forma consistente, neste caso com uma tendência clara de redução do número de filhos, porque a conjuntura económica não tem sido favorável (e essa foi muito agravada no ano de 2020), mas sobretudo porque não têm sido tomadas medidas consistentes de apoio às famílias. Mais que incentivos financeiros, as medidas públicas não têm conseguido remover obstáculos e criar incentivos consistentes de apoio às famílias, designadamente às famílias mais jovens e aos jovens que querem constituir família, mas que adiam esse desejo, por falta de segurança. A verdade é que em 2019 se verificou um ligeiro aumento dos níveis de fecundidade, que a pandemia veio cortar, agravando a situação das famílias em termos de segurança.
(PR) De acordo com os números do PorData, os distritos de Bragança e Portalegre têm os piores índices de fecundidade. Como se explica este facto?
(TFR) A razão é de ordem estrutural: têm pouca população em idade fértil, uma vez que são distritos muito envelhecidos no topo e na base (muitos idosos e poucos jovens) e continuam a ser pouco atrativos em termos migratórios.
(PR) Desde 2009 que o saldo demográfico nacional é negativo (há menos nascimentos do que óbitos). Estima-se que até 2030 Portugal tenha menos de 10 milhões de habitantes. Que consequências poderemos ter a curto ou médio prazo?
(TFR) Sabemos, com elevado grau de certeza, quantos e como somos e seremos e conhecemos as tendências longas da evolução demográfica e as características da “nova” velha população residente (menos em número, mais informados, com maior nível educativo e de formação, mais saudáveis, mais plurais em origem, com novos hábitos e maior capacidade de consumo, menos adultos em idade ativa e mais velhos, mesmo que esta continue indexada à esperança média de vida). Só não sabemos o impacto que a evolução esperada de alguns destes indicadores poderá ter em termos de desenvolvimento económico e níveis de bem-estar.
(PR) Há forma de reverter a situação?
(TFR) O que podemos/devemos fazer é assumir o declínio populacional como altamente provável e gerir a nova realidade. Assumir que, ao contrário do que dizia Comte, “demograpgy is not only destiny”. Mitigar o indesejado, aproveitar oportunidades e remover obstáculos em três setores estruturantes (políticas de natalidade e família, políticas de migração e acolhimento, políticas de emprego e educação). Concretizar políticas concertadas e sustentáveis, de curto e médio prazo, que promovam bem-estar, equidade económica e social e desenvolvimento interno. É preciso que a sociedade portuguesa encare a mudança em curso e repense todos os grupos etários (idade de reforma precoce, reforma tardia e velhice), de forma a criar uma política global da idade que articule os critérios de análise à nova realidade.