Viajamos até à longínqua província de Manica, região central de Moçambique, para testemunhar o trabalho da Organização Não Governamental (ONG) portuguesa THE BIG HAND.
Na mente do seu fundador, David Fernandes, de 36 anos, a missão é muito clara “construir escolas amigas das crianças, garantir que cresçam num ambiente saudável e seguro de modo a poderem ser melhores seres humanos e, a partir daí, possam mudar o mundo. A nossa ambição é que todas as crianças possam ir à escola, tenham acesso a água potável, saneamento básico, condições estruturais e seguras e, ao mesmo tempo, tenham acesso a professores motivados, com condições de trabalho.” A ONG que lidera apoia mais de seiscentos meninos e meninas que, de outra forma, estariam entregues a si próprios.
Recebendo-nos, sorridente, no aeroporto de Chimoio, David revelou-nos que o projeto surgiu da experiência pessoal “adquirida” a partir de 2004, quando decidiu fazer um ano de voluntariado. Após contactar várias ONG’s e missões, acabou por criar uma afinidade com os padres Franciscanos, pelos seus projetos e filosofia. “Eles próprios acabaram por escolher Moçambique e Chimoio […]. Estive cá um ano a trabalhar com as missões […] na área infantil, no lar de orfanato de São Gabriel do Bispo e ajudei as irmãs Franciscanas. E foi um ano fantástico, com experiências maravilhosas”, confessou.
“Como correu muito bem”, acrescentou, “os padres convidaram-me para ficar mais um ano, em Leiria, a reabilitar – digamos assim – a área juvenil das missões. Foi nessa linha que criamos um projeto e voltei a Moçambique com um grupo de professores, jovens, para dar mais formação aos professores locais na escola das irmãs.”
David Fernandes passou depois pela Guiné-Bissau. Foi quando decidiu parar “para descansar um pouco. Fiquei uns meses, talvez um ano, sem ajudar. Mas durante esse tempo, eu recebia emails, comunicações, telefonemas, mensagens de Moçambique e os relatos eram de agravamento do panorama social. Mais órfãos, órfãos de SIDA, abandono, mais violação dos direitos da criança, etc.” Um cenário que o fez agir.
Determinado, uma característica muito vincada na sua personalidade, reuniu alguns amigos: “pessoal, vamos lá, nós conseguimos mudar a vida a dezenas de crianças. Temos um parceiro de confiança que são as missões das irmãs. Vamos arranjar um pocket money, quinze euros cada um, para poder pagar os estudos a uma criança vulnerável órfã.”
Foi o início de algo que viria a mudar muitas vidas no futuro. “Primeiro com os meus amigos, depois com alguns familiares, depois com amigos de amigos e criamos o primeiro projeto de crianças apadrinhadas à distância.” Nas férias David vinha a Moçambique “ver se estava tudo bem.” Foi assim até que, num “certo dia, à procura de fundos para construir uma sala de informática para a escola das irmãs, conheci um jovem empresário, o Sérgio Nunes, que financiou a sala […] e me lançou um desafio. Perguntou-me o que era correto fazer, se havia outra maneira de ajudar com maior rentabilidade.”
Parecia que tudo se conjugava. Entusiasmado, David respondeu-lhe “que havia outra forma de ajudar”, mostrandolhe os planos do que viria a ser a THE BIG HAND. “Na altura havia a ideia e o conceito […]: canalizando um fundo para a escola comunitária da aldeia e criando estruturas comunitárias dentro da própria escola, poderíamos criar uma igualdade de género, uma igualdade para protegermos as crianças órfãs – atingindo todas as crianças, porque o problema estatístico e real é que temos cerca de 25 a 30% das crianças em orfandade real, que são órfãs, na escola, e temos outras 25% das crianças em risco de orfandade, ou seja, o pai já está doente ou a mãe já está doente […]. Significa que 50% das crianças já estão em risco -. Um modelo de escola fechada nunca funcionaria, mas investindo em aldeias, em escolas de comunidades, poderíamos rentabilizar muito mais.”
“O [Sérgio Nunes] foi fantástico e perguntou-me o que é que eu precisava. Eu disse que precisava de alguém que me ajudasse no back office em Portugal enquanto eu ia para o terreno […]. Ele marcou um almoço com o Marco Rosalline, que é o designer. Fomos almoçar ao Fórum Almada, à pizzaria. Eu contei a minha experiência com os padres Franciscanos, o que eu tinha atingido e a minha vontade, não de ajudar aquelas 50 crianças que tínhamos nas escolas das missões, mas sim ajudar as dezenas ou milhares de toda a aldeia.”
A resposta foi imediata, “o Marco ofereceu-se para construir o site, o logo e a marca THE BIG HAND. […]. Criamos ali uma equipa de força. Eu vim para o terreno, despedi-me na altura da IPSS onde trabalhava […], e pedi autorização à Marisa” a namorada. “Ela estava a estudar […]. Teve que mudar o horário para poder trabalhar e aguentar o barco sozinha.”
A situação mudou desde então. Há alguns anos, Marisa Cruz juntou-se ao companheiro e hoje vivem e trabalham juntos no terreno. Enfermeira de profissão, Marisa é um importante pilar da ONG, especialmente na área da saúde maternoinfantil. Um dos filhos do casal, o Ivo, com dois anos, já nasceu em Moçambique. É vê-lo brincar, em condições de perfeita igualdade, com os meninos da sua idade nas aldeias onde os pais trabalham. Um segundo filho, uma menina, vem a caminho.
David tinha 30 anos na altura do encontro que afetaria profundamente a sua vida e a da sua família. “Telefonei para as amigas do Chimoio, disse que queria voltar para Moçambique para ajudar crianças órfãs vulneráveis, mas desta vez em zonas onde não havia projeto de missão. Se me podiam hospedar, se me podiam ajudar.” Licenciado em Educação Física e Desporto, com uma pós-graduação em Desenvolvimento Local e Comunitário, tem uma energia rara. “Tem a ver com o sentido de realmente fazer o que está correto e perceberes que o teu trabalho, apesar destas dificuldades todas que temos, tem um impacto significativo naquelas crianças […]. É um power que quando tu ajoelhas – e eu ajoelho muitas vezes de cansaço, de frustração, de saudades… – dizes ‘NÃO! Vou arregaçar as mangas porque vamos continuar a trabalhar naquele sorriso, na genuinidade daquelas crianças.” “A força vem”, continua David, “quando tu vês uma criança […] numa situação de vulnerabilidade, que está sem pai, sem mãe, claramente numa situação emocional muito degradada – porque é verdade que a criança africana é feliz na mente, mas também é verdade que a criança africana consegue tristeza profunda e solidão – e quebras o ciclo de pobreza dessa criança e a integras num projeto, ela irradia alegria e isso não tem preço. É brutal!”
Quando perguntamos ao David o que o revigora e move, a resposta foi rápida: “o sucesso, o sorriso de cada criança.” E acrescenta: “O que me move, o que me dá força para continuar… não sei explicar bem. Há um sentimento que me diz que é exatamente aquilo que tenho que fazer, o que está correto. Não é só falar.” Faz questão de lembrar “as vitórias que nós temos conseguido com as crianças e as pessoas que vamos unindo à volta da THE BIG HAND que têm um coração fantástico.” Testemunhamos a alegria das crianças na aldeia de Chipaco, no momento da chegada do todo-terreno da THE BIG HAND: “as crianças de Chipaco receberam-nos genuinamente, sozinhas, estão genuinamente felizes, com esperança, e isso é o que me move, continuar a combater, a mostrar que existe uma solução. Que não se pode condenar uma criança, à partida, só porque nasceu naquela aldeia. Ela tem que ter uma oportunidade, uma oportunidade de estudar, de defender os seus direitos e ser um adulto capaz de mudar o mundo. Eu acredito que crianças educadas num ambiente seguro e protetor, podem efetivamente mudar a aldeia e mudar o mundo. E é isso que me move, continuar a dar o exemplo para quem está fora, que há esperança, não podemos desistir, não podemos baixar os braços perante as adversidades e as más notícias que nos entram pela casa adentro através dos meios de comunicação, mas sim que é possível, plantando hoje, trabalhando arduamente, conseguir.”
Seis anos depois a THE BIG HAND intervém em várias aldeias. David revelou-nos que faz “projetos quase de 6 em 6 meses.
No próximo ano sei que estarei em Moçambique a lutar pelas condições de fazer escola em Chipaco! A convencer a professora Filomena a tomar conta de tudo. Depois é tudo muito incerto, mas é lutar. Não sei onde vou estar daqui a 10 anos, mas espero que a THE BIG HAND possa estar replicada em vários sítios onde as crianças precisam, onde houver crianças sozinhas, onde houver crianças que adormeçam naquela angústia, na incerteza, crianças abandonadas.”
“Onde houver crianças a precisar de um aconchego que a THE BIG HAND chegue lá. Onde haja aquela discórdia que a THE BIG HAND consiga ser amizade entre eles e onde haja sofrimento que a gente consiga apazigar. Sonho com isso,” confessanos em jeito de despedida.
Toda a família nos leva de volta ao aeroporto. A saudade é imensa mesmo antes da partida. Ficam na memória as palavras finais de David Fernandes: “sonho com o dia que a gente possa fechar a THE BIG HAND, que a gente possa dizer que a THE BIG HAND chegou ao fim. Esse é o meu sonho, olhar para trás, para as aldeias e dizer ‘está feito’.”
A THE BIG HAND apoia cinco aldeias moçambicanas, na província de Manica, em áreas diversas como educação, acesso a água potável, higiene e saúde. No total, 617 crianças beneficiam diariamente do seu apoio. Entre 2010 e 2015, muitas salas de aula foram construídas. Após um grande investimento para dar início ao ensino pré-escolar, em 2016 lançou a Unidade Avançada de Saúde, onde é oferecida uma mão a quem mais precisa, causando um impacto direto na vida de mais de 10.000 crianças e suas comunidades. Para isso conta com o apoio de mais de 400 padrinhos e madrinhas em Portugal.
Conheça melhor a THE BIG HAND em: www.thebighand.org
Texto e fotos: José Alberto Oliveira
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