Por Helena Silva | RC Marinha Grande
Presidente Executivo do Conselho de Administração da Águas de Portugal (AdP) Internacional, Cláudio de Jesus tem como responsabilidade a gestão de todas as operações internacionais do Grupo Águas de Portugal, trabalhando atualmente em 12 países.Fala-nos dos desafios que se colocam quer a Portugal, quer ao mundo, no que diz respeito à gestão dos recursos hídricos. É que, apesar de mais de 70% da superfície da Terra ser cobertapor água, menos de 1% é própria para consumo. Do total de água disponível no nossoplaneta, 97% estános mares e oceanos (água salgada) e apenas 3% é água doce. Mas nestamatéria, revela, o nossopaís é exemplo para o mundo:atualmente 99,3% da água que aflui às torneiras dos portugueses é de boa ou excelente qualidade.
– A nível mundial, são quais as situações mais preocupantes em matéria de recursos hídricos?
O ano de 2023 traz à humanidade enormes desafios e, sobretudo, grandes oportunidades para superar desafios societários, de que se destacam a crescente urbanização (são cada vez as megacidades existentes no planeta), com enormes desigualdades económicas e sociais, as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, assunto de preocupação crescente para todos os que se preocupam com estas matérias, e que nem sempre é bem compreendido pela população em geral, uma vez tratar-se de um bem intangível e, como tal, de difícil perceção para o cidadão comum.
– Quando falamos de recursos hídricos, quais são os principais desafios que se colocam, no nosso país?
São sempre muitos. Embora Portugal registe significativos avanços nessa matéria nos últimos 30 anos, muito há ainda a fazer. O nosso país tem hoje indicadores de desempenho em matéria de serviços de água e saneamento que se comparam com os países mais desenvolvidos. Há 30 anos, somente 50% da água era própria para consumo humano e apenas 20% das águas residuais produzidas eram tratadas antes de serem devolvidas ao meios recetores. Existiam inúmeros casos de poluição hídrica que assolavam o nosso país e de que são exemplo o Vale do Ave, a Ria de Aveiro, o Rio Trancão, bem como todo o Estuário do Tejo. O abastecimento de água na área metropolitana do Porto e em toda a região algarvia era muito deficiente.Hoje somos considerados um caso de sucesso em todo o mundo, uma vez que atualmente 99,3% da água que aflui às torneiras dos portugueses é de boa ou excelente qualidade. No domínio do tratamento de águas residuais, cerca de 87% são adequadamente tratadas e caminhamos para o indicador de 90%, que nos impõe a União Europeia, e que deverá ser atingido em 2024.Mas em matéria de gestão de recursos hídricos há ainda bastante trabalho a fazer.
Cooperação
– Quais são as questõesque deveriam ter uma resolução prioritária, mas que ainda se mantêm?
A Convenção de Albufeira, que regula as relações Luso-Espanholas no domínio dos recursos hídricos, entrou em vigor em 17 de janeiro de 2000 e regula o quadro de cooperação para a proteção das massas de água, dos ecossistemas aquáticos e terrestres e do uso sustentável dos recursos hídricos entre os dois países.No entanto, em períodos de escassez (fruto das alterações climáticas que os acentuam cada vez mais, sobretudo neste século em que vivemos), este instrumento político de planeamento tem sido muitas vezes pouco respeitado pelo lado espanhol, levando a situações críticas nas bacias hidrográficas transfronteiriças, nomeadamente nos rios Tejo e Guadiana, do lado português. É, por isso, necessário intensificar as formas de cooperação, levando ao cumprimento integral do acordado entre os dois países.Ao nível dos municípios, urge também a sua sensibilização para formas de reutilização de água residual tratada, sobretudo no seu correto uso em situações em que não é necessário o uso de água potável (designada de própria para consumo humano), como sejam a lavagem de ruas, de viaturas e contentores de recolha de resíduos sólidos urbanos, de rega de espaços verdes, entre outros.
– O que está a ser feito – poderia destacar alguns exemplos positivos?
A nível nacional, muitos esforços têm sido feitos pelos diversos atores do setor no sentido de promover a resiliência à acentuada escassez de água. Houve uma clara aposta no envolvimento de diversas entidades para um trabalho conjunto no domínio da eficiência do uso da água e, em simultâneo têm-se implementado origens alternativas, sobretudo para usos não potáveis, emtermos urbanos e agrícolas.Têm sido estudadas e trabalhadas diversas alternativas, até porque o nosso país é muito assimétrico em termos pluviométricos (chove bastante na região Litoral Norte e muito pouco no Alentejo e Algarve). Bons exemplos, são os recentes transvases criados entre a Barragem de Alqueva e diversas pequenas barragens existentes no interior do Alentejo até se chegar ao seu Litoral. A zona de Sines, com os seus novos desafios industriais, irá necessitar de acrescidas quantidades de água e a solução passa pelos transvases a partir de Alqueva. Também as soluções associadas à tecnologia de dessalinizaçãofazem parte do futuro, sobretudo na Costa Litoral a partir da Península de Setúbal, passando pelo Litoral Alentejano até ao Algarve. Dentro de três anos, esta região irá beneficiar de uma central de dessalinização, que servirá como reforço dos sistemas de abastecimento já existentes, e que permitirá assegurar a resiliência futura do abastecimento aquela região, sobretudo na época alta, de grande afluxo turístico.
A cada um de nós, que papel nos está reservado para, no dia-a-dia, proteger esse bem maior que é a água?
Entre os profissionais do setor da água, existe uma expressão inglesa “everydropcounts”, que pretende demonstrar que TODOS devemos utilizar racionalmente esse recurso tão precioso que a natureza coloca à nossa disposição – a água.
É necessária uma consciencialização de toda a comunidade para atingirmos esse desígnio – industriais, agricultores e, acima de tudo, todos nós enquanto cidadãos, nos nossos gestos quotidianos devemos interiorizar essa preocupação, seja com pequenos gestos de poupança doméstica, como também ao nível industrial e agrícola, adotando medidas e tecnologias que permitem uma adequada e consciente utilização do recurso-água, e que traz significativos ganhos, não só ambientais, como também económicos.
Cláudio de Jesus: Perfil
Cláudio de Jesus é licenciado em Engenharia do Ambiente pela Universidade de Aveiro (1991) e Mestre em Engenharia Sanitária pela Universidade Nova de Lisboa (1996), com uma pós-graduado em Gestão de Empresas pela Universidade Católica de Lisboa (2001). A sua carreira profissional tem sido marcada por diversos cargos na área do ambiente. Na Valorlis(Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos de Leiria), primeiro como Diretor Técnico e mais tarde Administrador Delegado, cargo que desempenhou até 2004; na SIMLIS (Saneamento Integrado dos Municípios do Lis), como Administrador Delegado entre 2004 e 2009, e da Águas do Mondego, entre 2008 e 2009.
Na Águas de Portugal Internacional, Administrador Executivo entre 2009 e maio de 2016, sendo responsável pela direção e coordenação de vários projetos do Grupo em mercados como Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste e Administrador das empresas AdP Timor-Leste e Aquatec (Moçambique).
Na Águas do Centro Litoral, foi Presidente do Conselho de Administração, entre julho de 2015 e junho de 2016.
Na AdP Águas de Portugal, SGPS, foi Vogal do Conselho de Administração entre junho de 2015 e junho de 2020.
É membro dos Órgãos Sociais da Câmara de Comércio e Indústria Portugal Angola no triénio 2020 – 2022, como Vogal Executivo da Direção.
Foi Administrador da WaterEurope, entre junho de 2019 e Março de 2022, em representação do Grupo Águas de Portugal. A WaterEurope é uma instituição sem fins lucrativos, com sede em Bruxelas e que se dedica a projetos de Inovação no Setor da Água.
É desde julho de 2016, Presidente Executivo do Conselho de Administração da AdP – Águas de Portugal Internacional, S.A., tendo como responsabilidade a gestão de todas as operações internacionais do Grupo Águas de Portugal, trabalhando atualmente em 12 países.